Os critérios diagnósticos do The 2010 Task Force Criteria para cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito não foram avaliados com o objetivo específico de tentar diferenciar esta doença do remodelamento cardíaco induzido pela atividade física em atletas de alto rendimento.
Na tentativa de melhorar esta avaliação, tão importante no contexto da medicina do esporte, alguns artigos avaliaram diferentes parâmetros ecocardiográficos com o objetivo específico de refinar a acurácia do método em diferenciar estas duas possibilidades.
Um estudo observacional com 12 pacientes com diagnóstico definido de cardiomiopatia arritmogênica do VD, após pareamento (match 2:1) em relação à idade, gênero e superfície corpórea, fez uma análise comparativa com 42 atletas, na tentativa de estabelecer um escore diagnóstico, com inclusão da avaliação do átrio esquerdo, que diferencia a doença do padrão adaptativo.
Os parâmetros utilizados foram:
1- Relação dos volumes indexados do AD e AE (ADvol/AEvol);
2- NT-pró BNP;
3- Medida da via de saída do VD (eixo curto – PLAX e eixo curto no plano dos vasos da base – PSAX) indexada;
4- Movimentação do anel tricúspide (tricuspid annular motion – TAM)
5- Inversão de onda T e alterações da repolarização ventricular;
Na experiência dos autores, foi observado que os pacientes com cardiomiopatia arritmogênica do VD apresentavam um aumento do VD mais significativo que o do átrio esquerdo, mesmo em estágios iniciais da doença, enquanto que nos atletas existe um aumento proporcional (simétrico) destas cavidades. Daí surgiu a hipótese de incluir a avaliação dos átrios neste contexto.
O escore proposto foi elaborado seguindo o seguinte critério para a avaliação dos parâmetros citados, variando de 0 a 12 pontos:
- O ponto: parâmetro foi observado em > 75% dos atletas e em < 25% dos pacientes com miocardiopatia arritmogêica;
- 2 pontos: parâmetro foi observado em em > 75% dos pacientes com miocardiopatia arritmogênica e em < 25 dos atletas;
- 1 ponto: para valores intermediários e para alterações eletrocardiográficas.
Quanto maior a pontuação, mais provável o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica.
Vamos aos resultados!!!
Dos pacientes com diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do VD, 12 (57%) eram praticantes de atividade física, sendo 8 (67% destes) da modalidade de endurance e 1 paciente (8.3%) à nível competitivo (todos tiveram a recomendação de parar a atividade física após o diagnóstico da doença). Entre o grupo controle, 8 (19%) eram profissionais, enquanto que os demais eram atletas competitivos amadores (54.8% endurance e 45.2% de modalidades mistas).
O volume do AE foi maior nos atletas, enquanto que os pacientes com doença apresentaram um aumento mais significativo do AD, com uma relação ADvol/AEvol maior.
Os diâmetros da via de saída e da via de entrada do VD, além da área medida na diástole final forma maiores nos pacientes com o fenótipo patológico. Os parâmetros de avaliação de função ventricular direita foram menores neste grupo.
Alteração da contratilidade do VD foi observada em 47.6% dos pacientes com o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica e em apenas 1 (2.4%) paciente do grupo controle (??? – já vimos que esse tipo de alteração não é esperada no contexto do remodelamento induzido pela atividade física de alta intensidade).
Em relação a função ventricular esquerda, avaliada pela fração de ejeção, não houve diferença significativa entre os grupos, contudo o grupo doença apresentou uma taxa superior de alteração da contratilidade segmentar desta cavidade (28.6% x 0%, p < 0.001). A avaliação da função diastólica se mostrou alterada apenas* no grupo dos pacientes com cardiomiopatia arritmogênica.
* No grupo de atletas, dois indivíduos apresentam função diastólica do tipo indeterminada.
Houve uma correlação positiva entre uma relação ADvol/AEvol elevada e o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do VD, com o valor de > ou igual a 1.11 sendo altamente específico para a doença (r = 0.440, < 0.001, AUC 82%, p < 0.001, sensibilidade 63%, especificidade 86%) .
Os pacientes do grupo doença apresentaram, também valores maiores de NT-pro BNP e PCR.
Comparando com o 2010 Task Force Criteria, o novo escore diagnóstico apresentou acurárica de 93% (95% IC: 0.874-0.995, p < 0.001):
- Uma pontuação de 6/12 no escore mostrou especificidade de 91% e sensibilidade de 67% para o diagnóstico definitivo;
- Uma pontuação de 7/12 no escore mostrou uma especificidade de 100% e sensibilidade de 75% para o diagnóstico definitivo.
O estudo conclui com as seguintes observações:
1- Pacientes com cardiomiopatia arritmogênica apresentaram um aumento do AD mais significativo e dimensões menores do AE comparados com atletas (justificando uma relação ADvol/AEvol elevada);
2- Uma pontuação de 6/12 se mostrou específica para o diagnóstico.
Uma grande limitação deste estudo foi a não comparação com achados de ressonância magnética nos atletas, além do n pequeno.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.