Como funciona a aplicação prática do Strain na Avaliação das Cardiomiopatias Dilatadas?

A ecocardiografia tradicional desempenha um papel fundamental no diagnóstico e acompanhamento das cardiomiopatias dilatadas, através de parâmetros como: aumento das medidas ventriculares, redução da fração de ejeção (calculada preferencialmente pelo Simpson), redução do dP/dT do refluxo mitral e sinais de aumento da pressão do átrio esquerdo.

Figura 1. Dilatação ventricular esquerda, fração de ejeção reduzida, dP/dT do refluxo mitral < 1000 mmHg/s.
Figura 2. Padrão restritivo de enchimento ventricular; Doppler das veias pulmonares com componente diastólico maior que o sistólico e aumento do fluxo reverso; redução da velocidade de propagação do fluxo mitral.

O strain, no entanto, surge como ferramenta fundamental para análises mais específicas e precoces dessas cardiopatias, auxiliando na condução clínica dos pacientes. Por exemplo, permite detectar alterações ainda subclínicas do trabalho cardíaco em pacientes portadores de alterações genéticas sem fenótipo manifesto e avaliar a dispersão mecânica na contratilidade segmentar (desta forma contribuindo como preditor de arritmias e evolução para insuficiência cardíaca sintomática). Vejamos as figuras a seguir para entendermos melhor estas aplicações.

Figura 3. Neste esquema apresentado pela Sociedade Europeia de Cardiologia, em 2018, temos 3 mapas polares dos strains longitudinais de 3 pacientes. O primeiro é normal, de um paciente sem alterações genotípicas ou fenotípicas de cardiopatia dilatada. A figura central mostra um paciente que possui mutações genéticas, sem manifestações clínicas ou ecocardiográficas convencionais de disfunção ventricular, porém SLG (strain longitudinal global) reduzido. A última ilustração mostra um paciente com alterações genéticas manifestas, com fração de ejeção reduzida, alteração da geometria ventricular e SLG reduzido.
Figura 4. Análise da dispersão mecânica. Neste estudo, avaliamos o tempo gasto por cada segmento ventricular em relação ao fechamento valvar aórtico para atingir a sístole máxima. Quanto maior a dispersão, mais dissincrônico está o ventrículo e maior a chance de desenvolver arritmias e insuficiência cardíaca.
Figura 5. Avaliação do strain circunferencial em paciente com cardiopatia dilatada. Há redução da rotação ventricular, principalmente dos segmentos apicais e, em casos mais avançados, existe a perda da contratorção apical, com redução do twist. Disto resulta a perda da função contrátil efetiva e da geometria ventricular normal.
FIgura 6. Esquema representativo das alterações do mecanismo de twit nas cardiopatias. Observe que, na cardiopatia dilatada, existe a redução da rotação das fibras musculares, com predomínio apical (podendo este, inclusive, inverter o sentido da rotação).

Vejamos agora alguns casos clínicos ilustrativos:

Caso clínico #1: Paciente de 48 anos, sexo masculino, fração de ejeção de 21%, relação E/e’ média de 18,2.

Caso #1. Aumento da esfericidade do ventrículo esquerdo; padrão de enchimento restritivo; redução do Doppler tissular lateral e medial no anel mitral.
Caso #1. Redução do SLG do ventrículo esquerdo, com relativa preservação do ápice. Observamos também aumento da dispersão mecânica dos segmentos analisados, com contração sistólica máxima variável, em relação ao fechamento valvar aórtico. As áreas em azul, no mapa polar, ilustram segmentos discinéticos.

Caso clínico #2: Paciente de 58 anos, sexo masculino, Classe Funcional III da NYHA.

Caso #2. Aumento dos diâmetros do ventrículo esquerdo, fração de ejeção de 18% por Simpson.
Caso #2. Padrão de enchimento ventricular restritivo. Dopplr tissular em anel mitral reduzido.
Caso #2. SLG reduzido (-8,2%%, com relativa preservação apical. Observamos aumento da dispersão mecânica dos segmentos ventriculares, em relação ao fechamento valvar aórtico.

Caso clínico #3: Paciente de 69 anos, sexo feminino, fração de ejeção de 31% por Simpson.

Caso #3. Paciente com SL reduzido (-11,6%) e aumento da dispersão mecânica dos segmentos.
Caso #3. Rotação basal e apical reduzida, com perda do mecanismo de contratorção, já que o ápice e a base estão se movimentando no mesmo sentido. Notamos o aumento da esfericidade ventricular esquerda.

Por fim, vamos comentar sobre uma das aplicações do strain na Doença de Chagas.

Na figura acima, vemos um resumo de um trabalho publicado por Dr. José Castillo e colaboradores, em que o strain permitiu reclassificar pacientes portadores das formas indeterminadas da Doença de Chagas. Outros trabalhos corroboraram estes achados.

Em comparação a indivíduos normais, os pacientes portadores de cardiopatia chagásica manifesta clinicamente tiveram redução evidente do SLG em praticamente todos os segmentos miocárdicos. Já nas formas indeterminadas, tivemos dois resultados: pacientes com SLG normal em todos os segmentos e pacientes com SLG reduzido, principalmente nos segmentos medial e apical da parede inferior. Isto nos permite fazer um acompanhamento clínico mais efetivo dos pacientes, instituir terapêutica precoce e, possivelmente, reduzir a progressão e os desfechos da doença.

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DJair Brindeiro Filho

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