Annulus Reversus: apenas um fator mecânico ?

A presença de inversão de padrão do Doppler tissular (TDI) mitral, em que a onda e´ septal passar a ser maior que a onda e´ lateral – fenômeno este chamado de annulus reversus, é um achado positivo para o diagnóstico de pericardite constritiva.  

Acredita-se o processo inflamatório e a fibrose, na pericardite constritiva, resulte em aderência entre o pericárdio e a parede lateral do ventrículo esquerdo (VE), gerando diminuição de mobilidade desta região no plano longitudinal, manifestado através da diminuição do e´ lateral ao TDI. Com isso, observa-se um padrão diferente do habitual, com inversão do padrão entre e´lateral e e´septal. 

Observar diminuição de mobilidade, no plano longitudinal, da parede anterolateral do VE (exemplo 3).

Este achado tem sido demonstrado como uma ferramenta auxiliar importante no diagnóstico da pericardite constritiva, como descrito por Christina S. et al.: 

Nos pacientes controle (saudáveis), a velocidade do e´ lateral foi 25% maior que o e´ septal (13.0+3.1 vs. 10.7+ 2.8 cm/s; P ¼ 0.02). Já nos pacientes com pericardite constritiva (14 pacientes), a velocidade média do e´lateral foi 2% menor que a do e´ septal (10.7+2.5 vs. 11.2+ 3.1 cm/s; P . 0.05). A diferença absoluta das médias de velocidade dos TDI lateral e medial em relação ao grupo controle foi de 20.55+2.57 and 2.27+2.79 cm/s, respectivamente.  

O estudo ainda fez uma análise comparativa com pacientes com cardiomiopatia restritiva (10 pacientes). As velocidades do TDI mitral foram significativamente mais altas nos pacientes com pericardite constritiva (e´ lat média 10.7+2.5 vs. 3.7+1.7 cm/s  – P , 0.001; e´ septal média 11.2+3.1 vs. 3.8+2.4 cm/s – P , 0.001). Não houve, entretanto, diferença estatisficamente significativa na comparação entre o grupo com cardiomiopatia restritiva e o grupo controle (17 pacientes).  

Agora aqui trago um dado interessante: em estudo comparando algumas variáveis ecocardiográficas (pré e pós procedimento) de pacientes com pericardite constritiva que foram submetidos a pericardiectomia e considerados como “respondedores”, ou seja com melhora sintomática (NYAH CF II ou menor – parâmetro utilizado no estudo) ao tratamento cirúrgico, foi observado que em 50% dos casos, o padrão de annulus reversus persistiu após a cirurgia.  

Houve redução significativa da congestão da veia cava inferior (p < 0.0001), bem como do diâmetro do átrio esquerdo.  A presença de movimento assincrônico do septo interventricular (septal bounce) persistiu em 25% dos casos. Foi observado aumento significativo da velocidade da onda E mitral (fase inspiratória). 

Echocardiographic parameters in clinical responders to surgical pericardiectomy – A single center experience with chronic constrictive pericarditis
indian heart journal 68 (2016) 316–324

A presença de annulus reversus foi observada em 12 pacientes (60%) no pré procedimento, persistindo em 6 pacientes após a abordagem cirúrgica.  

Baseado neste resultado, podemos então imaginar que a restrição de mobilidade da parede anterolateral, com consequente redução da onda e’ lateral, não está apenas relacionado à restrição mecânica imposta pelo pericárdio rígido, mas também como consequência de um dano funcional (miocárdico), podendo permanecer como sequela (fibrose).  

Como exemplo, trago este relato de caso do periódico CASE:

Mulher, 30 anos de idade, com histórico de episódios recorrentes de miopericardite e derrame pericárdico, de etiologia não definida. Admitida na emergência com dor no ombro esquerdo há 03 dias. Três semanas antes do início da dor, a paciente relata ter sido submetida a gastroplastia.

Descartas possíveis complicações relacionadas à cirurgia, a paciente foi encaminhada para avaliação cardiológica. Exames laboratoriais demonstravam troponina elevada (5.66 ng/ml – normal: 0.01-0.04), BNP de 323 pg/ml (normal: < 100) e aumento de D-dímero.

Eletrocardiograma exibia taquicardia sinusal e alteração da repolarização ventricular inferolateral, além de onda Q de amplitude aumentada em aVL. AngioTC de tórax descartou tromboembolismo pulmonar, contudo mostrou derrame pericárdico moderado e derrame pleural discreto à esquerda.

Ecocardiograma transtorácico mostrou fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) de 60%, com presença hipocinesia/acinesia das paredes anterior e anterolateral, com aparente aderência ao pericárdio.

TDI mitral com onda e’ septal de 10 cm/s e onda e’ lateral de 5 cm/s, compatível com annulus reversus.

A análise da deformação miocárdica mostrou Strain Global Longitudinal reduzido (-10,8%), com comprometido maior dos segmentos basal e médio da parede anterolateral e também da parede inferolateral.

Realizado ressonância magnética (RM) cardíaca cujo resultado demonstrou fração de ejeção do VE de 50%, hipocinesia difusa, poupando os segmentos septais, com realce tardio envolvendo o pericárdio e o miocárdio basal lateral, apical lateral e segmentos apicais do VE, compatível com fibrose transmural.

Dado o diagnóstico de miopericardite, a paciente apresentou evolução satisfatória após uso de Colchicina. Nova RM cardíaca de controle, após 3 meses, leve melhora do realce tardio basal lateral e dos segmentos apicais lateral, com resolução do realce pericárdico.

Neste caso, o padrão de annulus reversus foi demonstrado mesmo sem haver pericardite constritiva. O uso da RM cardíaca foi essencial para confirmação e documentação da presença de fibrose miocárdica, corroborando que a inversão do TDI mitral foi resultante de um dano funcional (e não por restrição mecânica).

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Antonio Luiz Junior

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