O aneurisma de seio de valsalva é definido como uma dilatação de um ou mais seios aórticos, entre o anel valvar aórtico e a junção sinotubular. É uma condição rara, com prevalência estimada entre 0.14-0.23% em uma série de casos cirúrgicos.
Resulta em uma deficiência na lâmina elástica entre a camada média e anel fibroso da aorta. Aneurismas íntegros podem permanecer assintomáticos, contudo sua ruptura pode ser uma complicação fatal. Aqui temos um caso ilustrativo de um aneurisma de seio de valsalva roto com sintomas inespecíficos, cuja ausculta cardíaca foi primordial para definição diagnóstica.
Homem, 25 anos, previamente hígido, admitido na emergência com dor abdominal, de início súbito, no quadrante superior direito, associada a náusea e episódios eméticos, há 24h. Ainda, o paciente queixava-se de dispneia aos esforços há alguns dias do início dos sintomas. Negava, contudo, dor torácica, ortopneia, febre ou calafrios. Tinha histórico de uso recreativo de maconha, sem relato de uso de outras substâncias ilícitas.
Ao exame, apresentava sinais vitais estáveis, apesar de frequência cardíaca elevada (106 bpm). Ausculta cardíaca demonstrou hipofonese de B2 em foco pulmonar, com presença de sopro sisto-diastólico em região paraesternal esquerda. Ausência de edema de MMII e pulsos inferiores eram palpáveis.
Exames laboratoriais com sorologia negativa para SARS-COV-2 e influenza, com aumento de troponina (31 pg/mL) e de BNP (380 pg/mL), além de discreta leucocitose e anemia normocítica. Painel urinário para drogas foi positivo para cannabis. Ainda, havia aumento das transaminases (sorologias negativas para hepatites).
Realizado ecocardiograma transtorácico que mostrou múltiplas imagens ecogênicas, lineares, com mobilidade aumentada, próximo à valva tricúspide, no átrio direito.
Ao estudo com Doppler, notava-se um fluxo de alta velocidade (mosaico) de origem de difícil determinação (a curva de fluxo sugeria que o fluxo não estava alinhado com o fluxo habitual da valva tricúspide).
O estudo transesofágico foi realizado para complementação diagnóstica e demonstrou que o fluxo de alta velocidade visto no ecocardiograma transtorácico se originava no seio de valsalva anterior, cuja dilatação de sua parede (aneurisma) justificava as imagens móveis vistas no átrio direito.
Ainda, foi observado uma comunicação (fístula) entre a aorta e o AD por ruptura do aneurisma.
O paciente foi submetido a cirurgia cardíaca de emergência para reparo da do aneurisma roto com patch de pericárdio.
Controle ecocardiográfico intraoperatório demonstrou bom resultado com reparo do aneurisma e da fístula. Paciente teve boa evolução no pós operatório, recebendo alta após 4 dias.
A maior parte dos aneurismas de seio de valsalva de origem congênita e mais comumente se originam nos seios direito e não coronariano, quando comparados com os de origem no seio de valsalva esquerdo. Normalmente estão associados a outras alterações cardíacas, como valva aórtica bicúspide (15-20%), defeito do septo interventricular (30-60%) e regurgitação aórtica (44-50%). Causas adquiridas incluem infecções, doença aterosclerótica, doenças do tecido conjuntivo ou trauma, além de desordens autoimunes.
Quando há ruptura, normalmente a maioria destas ocorre para o interior das câmaras direitas, sendo raros os casos de fístula para as câmaras esquerdas. Aneurisma do seio não coronariano tende a romper para o interior do átrio direito, enquanto que a ruptura do seio coronariano direito por ocorrer tanto para o átrio direito como para o ventrículo direito.
O rápido diagnóstico é essencial para que o tratamento cirúrgico seja realizado o quanto antes, com impacto na sobrevida destes pacientes. Aneurismas rotos não tratados tem uma curva de sobrevida média de 3.9 anos e depende das seguintes variáveis: o tempo entre o surgimento do aneurisma e sua ruptura; o volume de sangue pelo fluxo da fístula; para qual câmara cardíaca o fluxo se direciona; e a presença ou ausência de defeito do septo interventricular associado.
Morte súbita pode ocorrer por tamponamento cardíaco ou por alterações do sistema de condução por infiltração da base do septo interventricular (levando a bloqueio AV total). Apesar de normalmente ser abordada de forma cirúrgica, o tratamento percutâneo vem ganhando espaço para casos bem selecionados (contudo, ainda com poucos estudos validados). A mortalidade intraoperatória é estimada em 1.9-3.6%, com sobrevida próxima de 95% em 20 anos após o procedimento cirúrgico.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Parabéns pelo caso e revisão!!
Só discordo em uma coisa: apresentação típica, para ruptura em câmaras direitas, dor em hipocôndrio direito por congestão hepática aguda. Infelizmente as manifestações clínicas tem sido relegadas a segundo plano. Caso muito bonito, bem documentado, sopro típico, manifestação típica para ruptura em câmaras direitas. Seria ótimo ter um link para as imagens em tempo real, principalmente em caso tão bonito com descrição da parte clínica bem feita.
Grato por compartilhar Caio, abraço
Boa noite, Augusto. Você está repleto de razão. Na verdade, o termo “atípico” foi um erro meu de tradução, pois deveria ter usado o termo “causa pouco usual de dor abdominal”. Peço desculpas pela equívoco. Segue o link da publicação: https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S2468644122000354?token=29EE7DB2F7BA264FE148BA030D69F50B4686249CAD0B49F650361F8B25D48AFDF10A3C89C1050A33603DFE7A56C7AB8B&originRegion=us-east-1&originCreation=20220727235044