O tamanho realmente importa?: o volume ventricular esquerdo pode interferir na capacidade funcional

A capacidade cardiovascular é um preditor independente e robusto de morbidade e mortalidade de todas as causa, bem como de mortalidade cardiovascular.

Ainda, na população idosa, é um marcador de perda capacidade funcional e independência, com um aumento de risco de dependência de 14% para cada queda de 1 ml/Kg/min de VO2 máximo.

Sabemos que vários fatores podem se relacionar com a diminuição do VO2 máximo, como por exemplo o envelhecimento e, sobretudo, o sedentarismo. De forma oposta, a atividade física regular tem a capacidade de aumentar o VO2 e, portanto, se associar a uma melhor capacidade cardiovascular e maior sobrevida.

Recentemente um fator que vem ganhando espaço como possível causa de baixa capacidade cardiovascular é o diâmetro ventricular. Esse fenótipo de “coração pequeno“, observado tanto em indivíduos saudáveis como em pacientes com neoplasia de mama e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp) por exemplo, não seria capaz de aumentar o volume sistólico ejetado e o débito cardíaco durante o exercício o suficiente para contemplar as demandas metabólicas, uma vez que a fração de ejeção em repouso já estaria maximizada.

Trago aqui um estudo que objetivou avaliar a relação entre os diâmetros cavitários em repouso e o VO2 máximo em indivíduos com fração de ejeção (FE) preservada (> 50%).

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

Estudo observacional, multicêntrico, englobando participantes com diferentes espectros de capacidade funcional, partindo de pacientes com dispneia significativa até atletas competitivos.

Foram incluídos pacientes com (1) classe funcional II/III, (2) indivíduos saudáveis e (3) atletas de endurance. Os critérios para diagnóstico de ICFEp foram pontuação ≥ 5 no HFA-PEEF score ou ≥ 6 no H2FPEF score.

Além da análise ecocardiográfica em repouso, os participantes realizaram teste cardiopulmonar e o VO2 de pico < 18 ml/Kg/min ou um VO2 de pico absoluto < 1100 ml/min foram considerados os pontos de corte para incapacidade funcional.

Foram avaliados 2876 participantes, sendo 309 atletas de elite, 251 indivíduos saudáveis não atletas e 1969 pacientes com queixa de dispneia de origem ainda não determinada, além de 347 pacientes com ICEFEp.

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

A idade média foi de 64 anos (49% sexo feminino), com a FE do ventrículo esquerdo (VE) variando de 58% a 61% entre os grupos (mediana).

Entre os atletas, a média do volume diastólico final do VE foi de 159.3 ml (IQR 132.5-186.8 ml), com valor indexado médio de 83,0 ml/m² (IQR 69.0-94.0 ml/m²). Já entre os participantes com ICEFEp, esses valores foram de 88 ml (IQR 72-113.5 ml) e 47.4 ml/m² (IQR 38.8-57.6 ml/m²), respectivamente.

Os atletas mostraram a correlação mais forte entre o volume diastólico final do VE e o VO2 de pico (R² = 0.47, std β = 0.68, P < 0.0001).

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024
S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

Nas mulheres, a relação entre volume diastólico final do VE (absoluto e indexado) e o VO2 máximo foi mais fraca do que o observado entre os homens. Na análise multivariada, o volume diastólico final do VE, volume do átrio esquerdo indexado e E/e´ septal permaneceram como preditores de VO2 máximo em ambos os sexos.

A tabela 02 mostra a associação entre VO2, variáveis clínicas e variáveis ecocardiográficas, sendo a relação mais robusta, dentre as variáveis, observada com o volume diastólico final.

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

A relação entre essas variáveis (volume diastólico final e VO2 máximo) foi positiva, porém moderada (std β = 0.67, P < 0.001) e apenas uma relação fraca entre VO2 máximo e a fração de ejeção do VE (std β = – 0.16, P < 0.001) foi documentada. O volume diastólico final do VE explicou 45% da variabilidade do VO2 de pico.

Na análise multivariada com ajuste para idade, sexo e índice de massa corporal, as variáveis volume diastólico final, volume atrial esquerdo indexado e E/e´ septal permaneceram como preditores independentes de VO2 máximo (P < 0.001). Destes, o volume diastólico final apresentou a associação mais forte (std β = 0.30, P < 0.001), com a menor contribuição para o volume do átrio esquerdo indexado (std β = 0.18, P < 0.001) e para a relação E/e´ septal (std β = -0.13, P < 0.001).

Na análise multivariada para o status saudável/doença, o volume diastólico final do VE permaneceu como preditor independente de VO2 máximo nos grupos de atleta e de indivíduos saudáveis, mas não no grupo de pacientes com ICFEp.

A figura 03 demonstra como as medidas ecocardiográficas podem discriminar baixa ou boa capacidade cardiovascular.

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

O volume do VE se mostrou como forte preditor de capacidade cardiovascular tanto para o VO2 de pico ≥ 1100 ml/min (AUC 0.73, 95% IC: 0.71-0.75) quanto para VO2 de pico ≥ 18 ml/Kg/min (AUC 0.71, 95%IC: 0.69-0.73), sendo equivalente a relação E/e´ septal.

O ponto de corte do tamanho do VE para melhor predizer a capacidade cardiovascular foi de 88 ml para o volume diastólico final e de 57 ml/m² para a medida indexada.

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024

A probabilidade de um VO2 abaixo do ponto considerado para independência funcional foi maior entre aqueles com VE pequenos e menor entre aqueles com maiores volumes do VE.

A probabilidade de se atingir VO2 máximo suficiente para boa capacidade cardiovascular foi de 83% naqueles com volume diastólico final do VE > 88 ml e de 72% naqueles com VO2 máximo > 57 ml/m².

Os achados, segundo os autores, reforçam a associação entre um tamanho pequeno do coração e baixa capacidade cardiovascular. Neste sentido, a análise de parâmetros ecocardiográficos com o VO2 de pico em indivíduos de diferentes espectros clínicos mostrou que o volume diastólico final do VE melhor se relacionou com o VO2 de pico, sendo o preditor ecocardiográfico mais forte.

S. Rowe et al, Left ventricular volume as a predictor of exercise capacity and functional independence in individuals with normal ejection fraction, European Journal of Preventive Cardiology, 2024
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