Avaliação do Átrio Esquerdo e Fibrilação Atrial: mais um papel da ecocardiografia com estresse

A fibrilação atrial (FA) é, sem dúvidas, uma das arritmias mais prevalentes, afetando aproximadamente 2-4% da população mundial. Muitas vezes silenciosa, é responsável por aproximadamente 25% dos acidentes vasculares encefálicos criptogênicos, destacando seu potencial tromboembólico, com impacto social.

Um dos mecanismos relacionados à gênese da FA se relaciona com alterações funcionais e estruturais dos átrios, a recentemente denominada cardiomiopatia atrial.

O strain do átrio esquerdo tem se mostrado como uma ferramenta em potencial para identificar aqueles sob maior risco de desenvolver FA. Ainda assim, muito ainda temos a aprender com esta ferramenta ecocardiográfica.

Zagatina et al. Cardiovascular Ultrasound (2024) 22:13

Existe uma corrente que acredita que pacientes com FA paroxística, ou até mesmo na forma persistente, podem não apresentar disfunção do AE em repouso e que as alterações dos parâmetros de função desta cavidade podem apenas se manifestar durante o esforço físico.

Portanto, vamos analisar um estudo cujo objetivo foi tentar diferenciar o perfil funcional do AE durante o ecocardiograma com estresse físico de pacientes em ritmo sinusal com e sem histórico de FA paraxóstica/persistente.

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Estudo prospectivo, com 1146 pacientes de 12 diferentes centros de cardiologia em 11 países, ocorrido entre 2020-2024.

O estudo incluiu pacientes com idade > 18 anos submetidos à análise da função do AE durante ecocardiograma com estresse físico, sendo os critérios de exclusão (1) presença de ritmo de FA durante o exame, (2) presença de doença valvar ou congênita significativa ou (3) imagens ecocardiográficas inadequadas.

Todos os pacientes foram submetidos à ecocardiografia com estresse físico com protocolo “ABCDE+”. O exercício foi realizado tanto em bicicleta supina quanto imediatamente após corrida em esteira ergométrica. As medidas foram realizadas durante o pico de esforço e na fase de recuperação, dentro dos primeiros 1.5 minutos pós esforço.

A análise de linhas-B, bem como dos parâmetros convencionais de função diastólica, foram foi realizada até o terceiro minuto da recuperação. Quando possível, a avaliação do fluxo da artéria descendente anterior (DA) também foi realizada.

Os critérios para interrupção do esforço foram (1) dor torácica, (2) alterações do segmento ST, (3) aumento excessivo da pressão arterial (PAS ≥ 240 mmHg e PAD ≥ 120 mmHg), (4) atingir > 85% da frequência cardíaca (FC) máxima, (5) exaustão muscular e (6) arritmia significativa.

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O estudo contou com 935 pacientes sem histórico de FA, 120 com FA paroxística/persistente e 91 com FA permanente. Um total de 91 participantes foi excluído em razão da presença de FA durante a fase de esforço da avaliação ecocardiográfica, incluindo obviamente aqueles com FA permanente.

O esforço físico em bicicleta foi realizado em 678 pacientes (64%), enquanto que o esforço foi realizado após esteira ergométrica em 377 participantes (36%). A presença de extrassístoles foi documentada em 423 pacientes (40%), das quais 73 (7%) com padrão de bigeminismo e 47 (4.5%) com taquicardia supraventricular durante o esforço.

44 pacientes (4%) tinham regurgitação mitral moderada, 368 (38%) com refluxo valvar mitral mínimo e os demais, sem refluxo mitral.

Os pacientes foram divididos em dois grupos: grupo modelo (513 pacientes) e grupo de verificação (532 pacientes). Dentro do grupo modelo houve uma subdivisão baseada na ausência ou presença de FA.

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Pacientes do grupo com FA apresentaram maior prevalência de hipertensão arterial sistêmica (HAS) comparados com aqueles em ritmo sinusal e sem histórico de FA. Ainda, estes pacientes (com FA) mostraram maiores volumes indexados do AE, tanto em repouso quanto durante o esforço, menor strain fase de reservatório (LASr), maiores velocidades de onda E e menores reserva cronotrópica (FC no pico do esforço dividida pela FC em repouso), indicando uma reserva cardíaca simpática reduzida e desbalanço autonômico.

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O volume indexado do AE durante o esforço não apresentou mudança significativa em ambos os grupos (p = 0.43 para um grupo e p = 0.85 para o outro). O LASr durante o esforço aumento de forma significativa em pacientes sem histórico de FA (p < 0.000001), enquanto que não houve mudança significativa nos pacientes nos pacientes com histórico de FA (p = 0.006).

Não houve correlação significativa entre o LASr em repouso e presença de linhas-B também durante o repouso (r = -0.06, p = 0.06). Contudo, houve um correlação leve, porém não significativa, entre o LASr em repouso e linhas-B durante a fase de esforço (r = -0.18, p < 0.0001).

A análise por regressão logística (ferramenta matemática para encontrar relações entre variáveis de dados e prever o valor de uma delas com base na outra) resultou na criação de um modelo preditor de FA paroxística com alto valor de significância estatística (p < 0.0001), cujos coeficientes foram idade, volume indexado do AE e LASr tanto em repouso quanto durante o esforço, além de ∆Linhas-B.

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A fórmula gerada a partir desta regressão logística atingiu uma acurácia de 91.6%, identificando de forma correta casos no grupo modelo (AUC = 0.78; p < 0.001).

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No grupo de verificação este modelo preditor também demonstrou alto poder discriminatório para identificar FA, com sensibilidade de 49% e especificidade de 79% (AUC = 0.67; p < 0.0001).

Para simplificar e melhorar a aplicabilidade prática, um sistema de score foi criado para predizer FA, utilizando aquelas variáveis que melhor diferenciou os dois grupos (com e sem FA) com pontos de corte. Este score apresentou AUC = 0.77, indicando uma alta capacidade para diferenciar pacientes com e sem FA (p < 0.001).

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Ainda, apresentou sensibilidade de 79% e especificidade de 65%. Quanto maior a pontuação, maiores a chances de FA, como demonstrado pelo teste Qui-quadrado (p < 0.0001). Comparando com a análise isolada do volume indexado do AE em repouso, este modelo apresentou-se com maior acurácia (com significância estatística), com p < 0.003 (figura 03).

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Entre os parâmetros, E/e´ e variação (esforço-respouso) do TAPSE (∆TAPSE) foram os que menos foram realizados durante o estudo (apenas em 474 pacientes). Portanto, o modelo utilizando 7 variáveis, ou seja, excluindo a relação E/e´ e o ∆TAPSE, ainda assim, manteve uma alta acurácia para detectar FA. Uma pontuação > 3, a AUC foi de 0.73 (p < 0.0001), com sensibilidade de 66% e especificidade de 69%.

Apenas os volume indexado do AE e LASr, em repouso e durante o esforço, apresentaram diferença significativa entre os grupos, dentre todos os parâmetros ecocardiográficos.

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A presença de FA, portanto, se associou a idades mais avançadas (média 67 anos), maior prevalência de HAS e ecocardiograma de repouso com maiores volumes indexados do AE, bem como menores valores de LASr.

Já durante o esforço, ficou documentado uma menor reserva cronotrópica, uma resposta contrátil com disfunção diastólica mais pronunciada e uma reduzida reserva contrátil do ventrículo direito (VD).

A hipótese primária de que alguns pacientes só manifestem alterações no tamanho e função do AE durante o esforço foi confirmada, segundo os autores, ao ficar demonstrado as diferenças significativas nos volumes indexados do AE e no LASr em repouso e durante o esforço entre os grupos com e sem FA, mesmo quando outros parâmetros ecocardiográficos foram similares.

Os achados indicam que estes dois parâmetros, durante o esforço, apresentam valor adicional na identificação da disfunção atrial no contexto de FA. A avaliação durante o repouso e durante o esforço, demonstrada pelo modelo de score proposto, demonstrou um maior valor preditivo comparado com a avaliação isolada do volume indexado do AE em repouso.

Esses resultados oferecem informações valiosas sobre mudanças da função atrial e podem ser extremamente úteis na avaliação e seguimento dos pacientes que apresentem maior risco de desenvolver FA (atenção aos esportistas e atletas de endurance !!!)

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