A cardiomiopatia induzida por esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) já é uma realidade nos consultórios e enfermarias cardiológicas. Apesar disso, esse tema ainda é pouco abordado em grandes eventos acadêmicos e, portanto, seu conhecimento não está amplamente difundido.
Sabemos que o uso dessas substâncias, de forma abusiva, leva a uma série de complicações cardiovasculares com impacto relevante na saúde desses indivíduos que, em alguns casos, podem evoluir com desfechos negativos como morte súbita, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular encefálico (AVE) e insuficiência cardíaca (IC).
Quando falamos em IC, o padrão mais comumente encontrado é de disfunção diastólica associada a disfunção ventricular esquerda subclínica, evidenciada a partir de uma fração de ejeção (FE) preservada, porém com strain global longitudinal (SGL) reduzido. Contudo, não é infrequente nos depararmos com casos cursando com franca insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida.
Contudo, é importante lembrar que o ventrículo direito (VD) também pode ser acometido pela toxicidade induzida por EAA. Já é bem documentado, em estudos com ressonância magnética (RM) cardíaca, que atletas de força (fisiculturistas) usuários de EAA apresentam disfunção sistólica biventricular.
E o que esperar em relação aos achados ecocardiográficos?
Estudo com 33 homens fisiculturistas, incluindo 15 usuários de EAA há mais de 02 anos e 18 outros que nunca haviam usado previamente. Os indivíduos com alguma comorbidade foram excluídos da análise. Todos os participantes estavam em ritmo sinusal e sem histórico de uso de algum tipo de medicação.
Os atletas tinham que ter uma rotina intensa de treino, com média de 10-15h/semana há mais de 05 anos. A idade de início de treinamento foi similar entre os fisiculturistas usuários de EAA e não usuários (22.3 ± 3.6 anos x 21.5 ± 3.2 anos). Não houve diferença entre os protocolos de treinamento, seja de exercício aeróbico ou isométrico, entre os dois grupos.
Contudo, a carga máxima de uma repetição durante agachamento foi significativamente maior entre os usuários de EAA (142.6 Kg ± 19.0 Kg x 120.6 ± 21.6 Kg, p < 0.05). Dentre as substâncias utilizadas, a oximetalona e o estanozolol foram as substâncias de uso oral mais citadas, enquanto que a nandrolona, estanozolol e propionato de testosterona foram as formas injetáveis relatadas. O tempo médio de uso de EAA foi de 5.73 ± 3 anos, com dosagem semanal média de 1085.5 ± 354 mg.
Não houve diferenças entre as características clínicas, como idade, peso, pressão arterial e frequência cardíaca entre os participantes dos dois grupos.
A espessura diastólica do septo interventricular e da parede posterior, bem como espessura relativa e índice de massa do ventrículo esquerdo (VE) foram significativamente maiores no grupo usuário de EAA.
Já o diâmetro do átrio esquerdo (AE), volume indexado do AE, volumes diastólico e sistólico finais do VE, FE do VE, velocidades de ondas E a A e relação E/A foram similares entre os dois grupos.
Quanto a avaliação do VD, os diâmetros e espessura da parede livre foram também similares entre os grupos. Ao Doppler tissular, a velocidade da onde E´ (10.1 ± 2.0 cm/s x 12.7 ± 2.1 cm/s, p = 0.001) e a relação E´/A´ (1.1 ± 0.1 x 1.5 ± 0.4m p = 0.009) desta cavidade foram menores entre os usuários de EAA.
A avaliação dos parâmetros convencionais de função sistólica, não houve diferenças de TAPSE, FAC e índice de performance do VD entre usuários e não usuários. Mesmo havendo diferença dos valores da Onda S´ (12.2 ± 2.2 cm/s x 14.6 ± 2.8 cm/s, p = 0.011), os valores menores documentados no grupo usuários de EAA não indicaram disfunção sistólica.
Aqui uma pausa para uma lembrança! Afinal, não custa nada lembrar que A AVALIAÇÃO ECOCARDIOGRÁFICA CONVENCIONAL TEM PAPEL LIMITADO NA ECOCARDIOGRAFIA DO ESPORTE (e isto inclui a avaliação da cardiomiopatia induzida por EAA) !!!!
A avaliação do strain de parede livre do VD mostrou valores menores nos usuários de EAA quando comparados com os não usuários (20.2 ± 3.1% x 23.3 ± 3.5%, P = 0.012). Da mesma forma, o strain rate sistólico também foi menor neste grupo (3.2 ± 0.1 x 3.4 ± 0.2, P = 0.2).
Os achados desse estudo, portanto, documentam uma redução dos parâmetros de função diastólica do VD, pelo TDI, bem como do strain de parede livre indicando disfunção subclínica entre usuários de EAA, apesar da normalidade dos parâmetros convencionais de função sistólica do VD.
Uma recente atualização (Fadah K, Anabolic androgenic steroids and cardiomyopathy: an update, . Cardiovasc. Med. 10:1214374) cita a fibrose do VD como um dos impactos do uso abusivo dos EAA no coração, sendo três mecanismos possíveis associados a este tipo de dano: aumento da pressão arterial, ação direta da angiotensina II no miócitos via receptores da angiotensina 1 (AT-1) e interação direta com os receptores de aldosterona.
O efeito combinado do treinamento de alta intensidade e uso de EAA aumenta a atividade de enzimas hidrolíticas lisossomais resultando em maiores concentrações de colágeno na parede livre do VD. Nieminen et al. observou presença de fibrose miocárdica difusa em biópsias de dois de três atletas de levantamento de peso usuários de EAA.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente! Obrigada!