Em razão do envelhecimento populacional, a estenose aórtica (EAo) é uma patologia cada vez mais frequente e prevalente. A identificação do fenótipo de apresentação, bem como saber em qual momento da doença o paciente se encontra são passos cruciais no planejamento terapêutico desta população.
Área valvar, gradientes transvalvares, morfologia da valva e presença de sintomas são fatores determinantes no difícil reconhecimento do “timing” correto para cada tipo de tratamento dos pacientes com EAo.
A gente sabe, porém, que graduação dos parâmetros hemodinâmicos sofre influência de diferentes fatores e, portanto, é muito passível de erro. E Apesar do avanço significativo dos métodos não invasivos de imagem nas últimas duas décadas, os critérios hemodinâmicos de classificação de EAo não mudaram (ou seja, ainda não incorporaram muitas dessas novas tecnologias).
Enquanto isso não acontece, muito se estuda sobre a aplicação do strain global longitudinal (SGL) nos pacientes com EAo, sobretudo nos casos em que os parâmetros são discordantes.
O aumento da pós carga gerado em razão da redução do orifício valvar aórtico induzi um estresse biomecânico que resulta em redução de síntese proteica pela célula cardíaca levando a uma hipertrofia concêntrica patológica (diferente da hipertrofia concêntrica fisiológica encontratada, por exemplo, em alguns atletas de alto rendimento).
Aqui há uma alteração do metabolismo do cálcio, apoptose celular com aumento da matriz extracelular resultando em fibrose miocárdica (documentada por estudos com ressonância magnética). A redução da fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo é a evolução natural caso esse estímulo (aumento da pós carga) persista e quando < 50%, esta alteração passa a ser um marco prognóstico robusto, com redução de sobrevida mesmo em pacientes tratados posteriormente.
Beleza! Nenhuma novidade! Acontece que o ideal é não chegarmos nesse estágio para intervir. Quanto maior nossa capacidade de discriminar, de forma precoce, pacientes que apresentam maior risco, melhor e mais efetivo será o planejamento terapêutico, com impacto direto no prognóstico.
O uso do strain nesse contexto pode nos oferecer uma série de informações adicionais, muitas vezes em estágios mais precoces da doença. A capacidade de identificar disfunção subendocárdica ainda enquanto a FE está preservada, sua robusta correlação com fibrose miocárdica (confirmada em estudos com biópsias) e a capacidade de diferenciar diferentes fenótipos de hipertrofia miocárdica (por exemplo: cardiomiopatia hipertrófica geneticamente determinada x cardiomiopatia hipertensiva) fazem com que essa ferramenta tenha grande utilidade nos pacientes com EAo.
PODER PROGNÓSTICO: o strain global longitudinal (SGL) do VE tem capacidade de predizer eventos clínicos adversos, como morte ou hospitalização por insuficiência cardíaca (IC), em pacientes com EAo importante.
Nos pacientes com EAo importante e que se submeteram a troca valvar transcateter (TAVI), o SGL do VE de base se correlaciona com mortalidade (por todas a causas e de origem cardíaca), rehospitalização, enquanto que a melhora do SGL se correlaciona com melhora de sintomas e melhor prognóstico.
Em estudo com 412 pacientes com EAo importante assintomática, com FE > 50% e que se submeteram a TAVI, Lee et al., demonstrou que pacientes com SGL de base < 16% apresentaram pior capacidade funcional, maior incidência de fibrilação atrial, revascularização miocárdica, além de maior massa ventricular e maior gravidade da estenose valvar.
O SGL reduzido se mostrou, neste estudo, como preditor independente de mortalidade por todas as causas (HR = 2.26, P = 0.025), com menor sobrevida em 5 anos quando comparado com pacientes com SGL > 16% (81.7% x 66.8%).
Em metanálise publicada recentemente por Stens et al., o poder prognóstico pré procedimento do SGL foi também confirmado. Para cada redução de 1 ponto percentual do SGL, foi observado um aumento de 6% no risco de mortalidade por todas as causas.
EAo ASSINTOMÁTICA: o risco de morte súbita em pacientes com EAo assintomática, segundo Pellikka et al., é < 1%. Contudo, como o início dos sintomas é insidioso, com frequência precisamos de um teste de esforço para documentá-lo.
A redução do SGL após um teste provocativo de esforço é um forte preditor de eventos cardíacos futuros independentemente dos parâmetros ecocardiográficos convencionais.
Em pacientes com EAo assintomática e com FE preservada, Vollema et al., demonstrou que SGL reduzido foi preditor de desenvolvimento de sintomas e necessidade de abordagem invasiva.
Magne et al., por sua vez, analisou 10 estudos que englobaram 1.067 pacientes com EAo importante assintomática e com FE do VE > 50% e também demonstrou um aumento de risco (>2.5) de morte em pacientes com SGL reduzido (ponto de corte proposto foi de 14.7%).
EAo MODERADA: a progressão da EAo de moderada para estágio importante (severa) é imprevisível. Tanto que, em ambos os casos, a taxa de mortalidade é bem semelhante.
Em pacientes com EAo moderada e FE preservada, Zhu et al., documentou que a mortalidade foi significativamente maior nos pacientes com SGL reduzido (< 15.2%).
Stassen et al., também confirmou a superioridade do GLS como fator prognóstico, comparado com a FE do VE, em pacientes com EAo moderada, bem como demonstrou que pacientes com SGL < 16% e FE preservada apresentaram taxas de sobrevida similares ao dos pacientes com EAo e FE < 50%.
EAo BAIXO GRADIENTE: numa cohort com pacientes com EAO baixo fluxo e baixo gradiente sintomática submetidos a um teste provocativo de esforço, o SGL de base foi um preditor independente de reserva de fluxo/contrátil (quando há aumento maior ou igual a 20% do volume sistólico ejetado durante o esforço) e de remodelamento reverso (regressão da massa ventricular esquerda e do volume sistólico final), sendo 12% o valor de corte proposto por D´andrea et al.
Kim et al., também demonstrou que o SGL pode ser um novo marcador potencial de reserva contrátil durante teste provocativo de esforço. Um aumento absoluto de 1.58% do SGL seria o ponto de corte.
O posicionamento do DIC em relação a aplicabilidade do strain enfatiza o SGL como um parâmetro robusto de disfunção miocárdica subclínica e que pode ser de grande valor na estratificação de risco nos pacientes com EAo.
Como ferramenta de valor prognóstico para predizer mortalidade e eventos cardiovasculares em indivíduos assintomáticos com EAo e FEVE preservada, o valor de corte proposto foi de SGL < 14,7%, se relacionando com maior risco de morte (sensibilidade de 60% e especificidade de 70%, AUC = 0,68).
O SGL < 14,7% foi encontrado em aproximadamente 1/3 da população de indivíduos com EAo moderada a grave e FEVE preservada, acarretando risco de morte 2,6 vezes maior. O documento ressalta que a relação entre SLG e mortalidade foi significativa, tanto naqueles com FEVE entre 50-59% quanto naqueles com FEVE ≥ 60%.
Em contraste, o achado de SGL > 18% se associou com excelente evolução clínica (97±1% de sobrevida em 2 anos).
Portanto, conclui o posicionamento do DIC, a despeito da FEVE preservada, o SGL reduzido configura-se como um poderoso preditor prognóstico a ser considerado na tomada de decisão clínica para indicar intervenções na EAo grave assintomática, em conjunto com outros dados clínicos e ecocardiográficos.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente artigo. Ótima atualização. Parabéns