Ecocardiografia na Gestação: cardiopatias congênitas

Dando continuidade a série de postagens sobre ecocardiografia na gestação, vamos listar algumas outras peculiaridades do exame neste período específico (eu diria, especial) da vida da mulher. Caso não tenha acompanhado as outras postagens, aqui está o link: Ecocardiografia na Gestação – Blog Ecope (escolaecope.com.br)

Em relação às cardiopatias congênitas, de forma geral, os shunts esquerda-direita são bem tolerados durante a gestação, com mortalidade similar à da população geral quando avaliamos, por exemplo, defeitos do septo interatrial.

Por outro lado, quando tempo um shunt direita-esquerda o mesmo não acontece. Mulheres com síndrome de Eisenmenger possuem um risco maior de eventos adversos maternos durante a gestação de 25-50%.

DEFEITOS DO SEPTO INTERATRIAL: aqui, habitualmente, não haverá nenhuma mudança significativa em relação a mulheres não grávidas (obviamente que tudo dependerá da magnitude do shunt). O fechamento percutâneo, quando indicado, é recomendado no período pré gestacional com o objetivo de reduzir complicações arrítmicas e tromboembólicas durante a gravidez.

Vale lembrar que, com o aumento do volume sistólico e também do volume plasmático durante a gravidez, há também um aumento da resistência vascular pulmonar, contrabalanceando essas alterações hemodinâmicas, podendo inclusive reduzir a magnitude do shunt esquerda-direita.

Curr Cardiol Rep (2016) 18: 90

DEFEITOS DO SEPTO INTERVENTRICULAR: a maioria das comunicações interventriculares (CIV) diagnosticadas na fase adulta é pequena (casos de maior repercussão normalmente são diagnosticados durante infância), sem repercussão hemodinâmica.

Contudo, na presença de defeitos maiores pode haver uma sobrecarga volumétrica no ventrículo esquerdo (VE) associada a hipertrofia ventricular direita. Caso haja hipertensão pulmonar, uma reversão do shunt pode ocorrer na presença de uma redução significativa da pressão arterial (PA) durante a gravidez. Se isso acontecer, recomenda-se uma avaliação ecocardiográfica seriada para monitorar eventual disfunção ventricular e piora da hipertensão pulmonar.

Nas pacientes com passado de septoplastia para correção de CIV há indicação de realizar ecocardiograma antes da gestação para avaliar presença de possível shunt residual, bem como ter um parâmetro basal da pressão sistólica da artéria pulmonar e da função ventricular.

PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL: nos casos de canal pequeno, os diâmetros cavitários comumente são normais, podendo haver, contudo, aumento discreto do átrio esquerdo (AE) ou do VE durante a gestação.

Já nos canais com repercussão, pode ocorrer dilatação do tronco da artéria pulmonar e de seus ramos principais, com presença de aliasing durante a sístole e diástole. Outro achado possível é a presença de fluxo reverso holodiastólico na aorta descendente na ausência de refluxo aórtico.

HIPERTENSÃO PULMONAR E SÍNDROME DE EISENMENGER: uma PSAP de 50 mmHg ou > 2/3 da pressão sistólica sistêmica é considerada de alto risco para gestação, sendo documentados altos índices de mortalidade materna nesta população (17-33%).

A disfunção ventricular direita costuma ser a principal causa de mortalidade nos períodos peri e pós-parto (em torno de 8% dos óbitos ocorrem entre o 2º e 30º dia de puerpério).

A estimativa da PSAP pelo refluxo tricúspide pode ser tecnicamente difícil, portanto devemos também fazer a avaliação pelo TAC do fluxo da artéria pulmonar (lembrar também do entalhe mesossistólico da valva pulmonar ao modoo M), além dos achados indiretos como movimento assincrônico do septo interventricular.

Como já dito, o aumento do volume circulante durante a gestação é pouco tolerado pelo ventrículo direito (VD) e a queda da resistência vascular sistêmica aumenta o shunt direita-esquerda, piorando a cianose.

Curr Cardiol Rep (2016) 18: 90

ESTENOSE PULMONAR: estenose pulmonar leve ou moderada costuma ser bem tolerada durante a gestação. Os casos de estenose importante (gradiente máximo > 64 mmHg) podem evoluir com disfunção de VD e arritmias.

OBSTRUÇÃO DE VIA DE SAÍDA DO VE: pode ser valvar, subvalvar ou supravalvar. A causa mais comum é a valva aórtica bicúspide disfuncionante por estenose.

Pela dependência da pós carga nos casos de obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE), a fase do trabalho de parto pode ser desafiadora para a paciente em razão da redução significativa do volume circulante.

Pacientes com estenose aórtica (EAo) moderadas ou importantes, em classe funcional II, são de alto risco para o desenvolvimento de insuficiência cardíaca e parto prematuro.

Além disso, a valva aórtica bicúspide pode se associar à aortopatias e existe um risco maior de dissecção durante o período gravídico. Desta forma, portanto, uma avaliação cuidadosa da anatomia da aorta deve ser realizada durante o ecocardiograma. Existe uma recomendação de não engravidar para pacientes com valva aórtica bicúspide e raiz de aorta > 4,5 cm de diâmetro.

COARCTAÇÃO DE AORTA: um ecocardiograma deve ser realizado em pacientes com histórico de correção de coarctação de aorta antes de engravidar. A avaliação de recorrência, gradiente residual significativo ou até mesmo de aneurisma de aorta é importante no planejamento pré-natal.

Os casos diagnosticados durante a gestação apresentam um risco elevado de hipertensão gestacional e restrição de crescimento intrauterino.

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