A avaliação da insuficiência mitral (IMi) é uma prática diária na vida do ecocardiografista. Muitas vezes desafiadora, a correta graduação desta alteração valvar é de extrema importância tendo em vista o impacto prognóstico e seu papel na determinação da melhor estratégia terapêutica (medicamentosa x intervencionista x cirurgia convencional).
Muito provavelmente você já deve ter se deparado com essa seguinte situação e ter tido dificuldades para conseguir graduar a intensidade da regurgitação valvar utilizando os parâmetros tradicionais de quantificação:
Este fenômeno é denominado splay color e nada mais é que um “artefato de feixe lateral”.
Quando direcionamos o transdutor para uma estrutura (bola pontilhada), um feixe principal (ML) é emitido pelo transdutor, através de ondas, que irá retornar e gerar a imagem ecocardiográfica.
O splay acontece quando um feixe lateral reflete (SL) uma estrutura ecodensa (bola densa) e retorna ao transdutor. A máquina interpreta esse sinal como se estivesse vindo do feixe principal (ML) e “reproduz” essa imagem na localização direcionada pelo feixe principal (bola pontilhada).
À medida em que vai se fazendo a varredura da região em estudo (que engloba a estrutura representada pela bola densa), os feixes laterais vão reproduzindo esta segunda estrutura gerando um artefato em formato de “arco” estendendo-se para ambos os lados do objeto direcionado pelo feixe principal.
Desta maneira se forma uma imagem descrita como “não fisiológica”, em formato de arco, com a região central localizada no ponto onde o jato regurgitante se origina, normalmente na face atrial da valva mitral.
A partir dai, na maioria das vezes, não é possível visualizar aquele padrão habitual do jato regurgitante, fazendo com que o emprego das medidas convencionais seja um verdadeiro desafio. Não à toa, quando presente, o splay color pode levar a erros de classificação em relação a gravidade da lesão valvar.
Foi justamente isso que Wiener et al observou ao documentar casos em que havia este tipo de artefato e que foram erroneamente graduados como IMi “menor que moderada“, ao estudo transtorácico, mas na verdade eram “moderada a importante” ou “importante” na avaliação pelo ecocardiograma transesofágico.
Partindo destes achados, o estudo também comparou 100 casos com IMi importante com outros 100 casos classificados como IMi leve e avaliou a presença do splay color, bem como suas características. Vamos aos resultados?
O splay color foi detectado em 81% dos casos do grupo “IMi importante”, independente do (1) modelo do equipamento ecocardiográfico, (2) da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) e (3) da etiologia da lesão valvar (prolapso / flail / secundário por cardiomiopatia / doença reumática).
Este tipo de artefato foi mais observados naqueles pacientes que apresentam jatos regurgitantes excêntricos, direcionados para a parede do átrio (efeito coanda), sendo observado em 28 de 30 pacientes avaliados (93%).
Nos pacientes do grupo “IMi leve” o splay color foi observado apenas em 16% dos casos, em um menor número de quadros e com menor dimensão quando comparado com o outro grupo.
Quanto ao ciclo cardíaco, este fenômeno foi observado na mesossístole em 72 pacientes, na protossístole em 50 pacientes e telessístole, em 35 casos. Em 16 pacientes, o artefato se mostrou holossistólico.
Apesar de ser observado na face atrial, em 26 pacientes também foi observado na face ventricular da valva mitral.
Em relação ao ajuste da máquina, este artefato não sofreu influência em relação à escala do color, porém o ganho foi maior quando o splay estava presente (57.5 +- 6.8% vs 55.3 +- 6.1%, P = 0.04). O que pode, de fato, influenciar para que este achado seja visualizado é a linha de base da escala (limite de Nyquist).
Apesar deste achado direcionar para o diagnóstico de IMi importante, o estudo ressalta que ele não deve ser usado de forma isolada. Deve-se, portanto, associar sua presença à outros parâmetros de graduação para determinar a gravidade da regurgitação mitral.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.