O excesso de trabeculações no ventrículo esquerdo (VE) automaticamente nos leva a pensar numa condição patológica chamada miocárdio não compactado (assunto já discutido aqui no Blog – LINK ). Sabemos que essa condição pode se manifestar em qualquer faixa etária, já relatada inclusive em fetos.
Contudo, é verdade que a análise ecocardiográfica possui importantes limitações para definir se as trabeculações em excesso estão dentro de um espectro patológico ou não, já que com frequência vemos esse tipo de situação em contextos fisiológicos, como gestação e pacientes com alta carga de atividade física (atletas) – sendo considerada como uma adaptação fisiológica à condições de aumento de pré ou pós cargas.
Assim, a presença de trabeculações em excesso, por si, não obrigatoriamente define uma miocardiopatia!
Portanto, diferenciar normal x patológico (zona cinzenta) acaba se tornando uma situação desafiadora e que requer, muitas vezes, avaliação complementar com outros métodos diagnósticos (ressonância magnética cardíaca, por exemplo).
Em recente publicação do JACC (Link), o termo “miocárdio não compactado” é questionado por diferentes razões, desde novos conhecimentos a cerca da embriogênese cardíaca, até pelo fato desta condição estar presente em diversas situações sem necessariamente significar uma doença primária do músculo cardíaco. Por esta razão, propõe-se o uso do termo “trabeculação em excesso / trabeculação excessiva” quando na presença de trabeculações no VE que ultrapassam o que se considera como limite da normalidade.
Habitualmente, o critério utilizado para se definir trabeculações excessivas é o de Jenni et al, em que há uma relação > 2:1, avaliada durante a sístole final no eixo curto, de trabeculação/miocárdio compacto. Acontece que, quando analisada pela ressonância magnética – RM (utilizando o critério de Petersen et al), 20-43% da população geral (a depender do estudo) pode preencher critério em algum segmento cardíaco sem, contudo, ter doença estabelecida.
Por essa razão, alguns autores sugerem o incremento de novos parâmetros (pela RM) para definir o excesso de trabeculações como patológico.
Vamos, então, citar algumas situações em que o excesso de trabeculações pode ser observado com uma frequência maior que habitual.
[DOENÇAS NEUROMUSCULARES] Existe uma associação já bem documentada entre trabeculação excessiva do VE e doenças neuromusculares. Até 20% dos pacientes com Duchenne, por exemplo, podem apresentar trabeculações excessivas no VE pela ecocardiografia. Esse número pode chegar a até 30% em estudos utilizando RM. A presença de trabeculações excessivas no VE em crianças, ainda assintomáticas, deve levantar a suspeita para a possibilidade de desordens neuromusculares.Portanto, a presença de trabeculações excessivas em pacientes com distúrbios hematológicos deve ser interpretada como uma resposta adaptativa ao aumento da pré carga e não como uma miocardiopatia associada.
[CARDIOTOXICIDADE] Outra situação emergente em que se observa aumento da trabeculação miocárdica é na disfunção cardíaca induzida por quimioterápicos. E, aqui, acredita-se de o surgimento das trabeculações seja uma consequência e não a causa da disfunção ventricular. [DOENÇAS RENAIS] Alguns autores descrevem a possibilidade de associação entre doença renal policística e miocardiopatia causada por trabeculações excessivas (doença). Contudo, ainda é preciso uma melhor elucidação se existe uma interação entre as alterações genéticas associadas à doença renal com as alterações genéticas da miocardiopatia. A dúvida existe porque a doença renal policística sabidamente causa um ambiente de maior pré carga, o que poderia justificar a presença das trabeculações como uma consequência e não como fenótipo da doença.Como visto, a presença de trabeculações excessivas no VE pode ser associar à doença micárdica, sobretudo quando na presença de outras alterações cardíacas (disfunção miocárdica, aumento cavitários, alterações eletrocardiográficas ou arritmias documentas), mas também (e com certa frequência) pode ser considerada como uma variação, às vezes com componente transitório, em resposta à adaptações fisiológicas em contextos específicos.
MINHA OPINIÃO – particularmente acho que o ecocardiograma não é um método confiável para definir diagnóstico de miocárdio compactado. Portanto, penso que o uso do termo “trabeculação em excesso” seja mais adequado. E vocês ?
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.