Trabalho Miocárdico e Hipertensão Arterial: uma ferramenta para avaliar efetividade terapêutica?

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma das doenças crônicas mais prevalentes do mundo e que, quando não tratada de forma correta, evolui de forma progressiva com remodelamento do ventrículo esquerdo (VE) e disfunção cardíaca.

Como sabemos, a HAS leva a um aumento da pós carga, ativando mecanismos compensatórios para manter o débito cardíaco. Numa fase inicial, o trabalho miocárdico aumenta gradualmente sem alterações significativas na fração de ejeção do ventrículo esquerdo e no strain global longitudinal (SGL).

Contudo, à medida em que o coração vai perdendo sua capacidade adaptativa à pós carga aumentada e ao aumento do estresse parietal nas paredes miocárdicas, o SGL começa a diminuir.

A gravidade da hipertensão arterial tem íntima relação com o aumento do GWI, como também se associa a um aumento do pico de O2 consumido.

Um trabalho publicado no ESC avaliou o padrão do trabalho miocárdico em pacientes com HAS estágios I e II, comparando com um grupo controle de pacientes não hipertensos.

European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (2021) 22, 744-750

Foi uma avaliação retrospectiva, de um único centro (!!!), com 65 pacientes hipertensos e 15 pacientes do grupo controle. Os pacientes hipertensos foram divididos em dois subgrupos de acordo com o estágio da doença:

  • HAS Estágio I (PAS 130-139 mmHg): 32 pacientes;
  • HAS Estágio II (PAS ≥ 140 mmHg): 33 pacientes.

Os critérios de exclusão foram imagem ecocardiográfica subótima, fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo reduzida, qualquer disfunção valvar, shunts intracardíacos e arritmias.

Os pacientes do grupo controle não tinham histórico de HAS, tinham a FE do ventrículo esquerdo preservada e tiveram o ecocardiograma realizado por queixas como palpitações e pré síncope. Aqui vale ressaltar que houve uma diferença significativa de idade (!!!) entre os grupos: grupo HAS – idade média de 65 anos e grupo controle – idade média de 38 anos.

European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (2021) 22, 744-750

Ainda, dos pacientes do grupo HAS, 11 tinham histórico de outras doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio (4), doença arterial coronária (9) e 32 pacientes deste grupo tinham dislipidemia. A classe antihipertensiva mais utilizada nesses pacientes foi a de bloqueadores de canal de cálcio (46%).

A análise ecocardiográfica, realizada em repouso, mostrou que não houve diferença significativa da FE e do strain global longitudinal (SGL) entre os subgrupos de pacientes hipertensos.

O GWI se mostrou maior nos pacientes com HAS estágio I e estágio II comparados com o grupo controle (range: 1896 ± 308 mmHg%, P < 0.01), com o valor médio de 2.108,4 mmHg% entre todos os pacientes hipertensos. O GCW e o GWW também foram maiores nos pacientes com HAS.

Paciente do grupo controle, com GWI normal (1770 mmHg%) e padrão uniforme de trabalho miocárdico (European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (2021) 22, 744-750).
Paciente hipertenso estágio I, com GWI elevado (2044 mmHg%) e com alguns segmentos – vermelho – demonstrando trabalho aumentado (European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (2021) 22, 744-750).
Paciente hipertenso estágio II, com GWI ainda mais elevado (2187 mmHg%) e com uma área maior de trabalho miocárdico acentuado (European Heart Journal – Cardiovascular Imaging (2021) 22, 744-750).

Comparando a diferença dos valores entre os pacientes do grupo HAS, não houve significância estatística entre os pacientes com HAS estágio I e HAS estágio II.

O aumento da pós carga, em razão do aumento da pressão sistólica do VE, exige uma maior quantidade de trabalho miocárdico para realizar a sístole ventricular e, caso esse estímulo não seja normalizado (no caso, bom controle da pressão arterial), invariavelmente haverá progressão para disfunção subclínica e, posteriormente, insuficiência cardíaca.

A análise dos pacientes hipertensos pelo trabalho miocárdico pode fornecer informações cruciais sobre efetividade do tratamento. Como assim?

Um paciente hipertenso já em tratamento, com esse padrão de trabalho miocárdico em repouso (SGL normal, trabalho miocárdico com boa eficiência, contudo às custas de uma ativação acentuada da ponta do VE), indica uma resposta terapêutica ainda não satisfatória, com ação ativa de mecanismos compensatórios. Caso esse padrão persista (ao longo do tempo), haverá remodelamento e disfunção ventricular.

Se, após ajustes no tratamento (medicamentoso e mudança de estilo de vida), o mesmo paciente volta com esse padrão (SGL normal, trabalho miocárdico com boa eficiência e padrão homogêneo habitual) podemos concluir que o tratamento se tornou, de fato, efetivo.

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