A avaliação ecocardiográfica da estenose aórtica com frequência nos traz cenários com parâmetros discordantes. No contexto de estenose aórtica (EAo) com baixo gradiente, temos uma área valvar ≤ 1 cm², porém com velocidade máximo do fluxo transvalvar < 4 m/s e/ou gradiente médio < 40 mmHg.
Aqui, podemos ter 3 padrões distintos de apresentação: (1) baixo fluxo e baixo gradiente, com fração de ejeção (FE) < 50%; (2) baixo fluxo e baixo gradiente paradoxal, com FE ≥ 50% e stroke volume indexado ≤ 35 ml/m² e (3) fluxo normal com presença de baixo gradiente, FE ≥ 50% e stroke volume indexado > 35 ml/m².
Nessas situações, o ecocardiograma em repouso apresentará papel limitado, sendo necessário a utilização de outros métodos complementares como ecocardiograma com dobutamina ou escore de cálcio da valva aórtica pela tomografia computadorizada.
Pensando nessa limitação, um estudo publicado no JACC em outubro de 2024 avaliou a capacidade da relação Gradiente Médio / Área valvar* (Gmed/Area), em mmHg/cm², de identificar EAo importante verdadeira pela ecocardiografia em repouso, bem como seu impacto prognóstico em pacientes com EAo baixo fluxo/baixo gradiente.
*Essa relação representa, do ponto de vista fisiopatológico, a perda da pressão transvalvar para cada 1 cm² de área valvar (que aumenta com o grau de gravidade da estenose valvar).
Após um fase com testes in vitro, foram avaliados pacientes com área valvar ≤ 0.6 cm²/m² e Gmed < 40 mmHg. Pacientes com estenose mitral (EMi) > leve, síndrome coronariana aguda ou descompensação de insuficiência cardíaca nos últimos 03 meses foram excluídos. Além disso, condições com baixa expectativa de vida, doença renal crônica em estágio terminal (com necessidade de diálise) e déficit cognitivo significativo também foram critérios de exclusão.
Ao todo, foram avaliados 188 pacientes com EAo baixo fluxo/baixo gradiente clássica (FE < 50%).
Os pacientes foram acompanhados por um período mínimo de 2 anos e a decisão sobre ao tipo de terapia (troca valvar aórtica ou tratamento conservador) ficou à cargo da equipe assistente.
Em relação à análise ecocardiográfica, a área valvar foi estimada pela equação de continuidade. O desfecho primário do estudo foi o composto de mortalidade por todas as causas e necessidade de troca valvar em 02 anos, e o desfecho secundário foi mortalidade por todas as causas em 02 anos.
Na fase in vitro do estudo, a relação Gmed/Área apresentou excelente acurácia na identificação de EAo importante verdadeira no contexto de baixo fluxo/baixo gradiente, com um ponto de corte de 25 mmHg/cm² (sensibilidade e especificidade de 100%).
Na fase in vivo, os participantes tinham uma média de idade de 74 ± 10 anos, sendo 78% do sexo masculino. A prevalência de EAo importante verdadeira foi de 125 entre os 188 casos avaliados (66%), de acordo com o ponto de corte de 25 mmHg/cm².
A relação Gmed/Área, medida em repouso, demonstrou excelente acurácia para identificar EAo importante verdadeira confirmada pelo ecocardiograma com estresse (dobutamina) com AUC = 0.91 (IC 95%: 0.86-0.95), com o valor de corte de 25 mmHg/cm² apresentando sensibilidade de 84% e especificidade de 88%, com uma taxa de acerto (classificação correta da EAo) de 85%.
Durante o seguimento médio de 1.41 ± 0.75 anos, 101 (54%) dos pacientes foram submetidos à troca valvar aórtica (72% cirurgia convencional, 28% TAVI), enquanto que 87 pacientes (46%) foram conduzidos de forma clínica. 74 pacientes (39%) morreram durante este período (24% dos pacientes em tratamento clínico e 15% dos pacientes submetidos à troca valvar) e o desfecho primário composto foi observado em 146 pacientes (78% de todos os participantes).
A relação Gmed/Área se associou a um risco aumentado do composto morte por todas as causas e necessidade de troca valvar aórtica (p < 0.001).
O ponto de corte considerado ideal para o desfecho composto ao término de 2 anos de seguimento foi próximo de 25 mmHg/cm².
Essa associação apresentou HR: 2.36 (IC 95%: 1.63-3.42, p < 0.001) com C-index de 0.68 o qual foi similiar ao obtido pela análise da ecocardiografia com dobutamina (C-index = 0.66).
Em relação ao desfecho secundário de mortalidade por todas as causas, o valor de corte considerado ideal foi de 20 mmHg/cm² para o seguimento de 02 anos.
Na análise univariável, a relação Gmed/Área não se associou a um risco aumentado de mortalidade por todas as causas, contudo uma relação > 20 mmHg/cm² se associou a um risco aumentado de morte nos pacientes que foram conduzidos clinicamente após ajuste para diabetes, doença renal crônica e classe funcional III/IV (HR: 1.99; 95% IC: 1.03-3.84, p = 0.04).
Os achados principais deste estudo são:
- Uma relação ≥ 25 mmHg/cm² em repouso tem boa acurácia para identificar EAo importante verdadeira no contexto de baixo fluxo/baixo gradiente comparado com a ecocardiografia com estresse farmacológico;
- Uma relação ≥ 25 mmHg/cm² se associou, de forma independente, com um risco aumentado do desfecho composto mortalidade por todas as causas e necessidade de troca valvar aórtica, acrescentando um valor prognóstico incremental;
- Embora uma relação ≥ 20 mmHg/cm² tenha se associado a maiores taxas de mortalidade por todas as causas após ajuste de acordo com os fatores de riscos dos pacientes, esse valor não apresentou impacto prognóstico incremental comparado com os parâmetros ecocardiográficos convencionais.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.