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Pericardite Constritiva x Cardiomiopatia Restritiva: revisão de artigo

A diferenciação entre pericardite constritiva (PC) e cardiomiopatia restritiva nem sempre é uma tarefa fácil, já que ambas resultam em disfunção diastólica e, portanto, a apresentação clínica destas duas condições pode se sobrepor em muitos aspectos.

Existem algumas características ecocardiográficas que podem facilitar a diferenciação destas patologias. Através da análise do (1) fluxo transvalvar mitral, (2) Doppler tissular e dos (3) fluxos das veias pulmonares e hepática é possível, na maioria das vezes, definir o diagnóstico com boas sensibilidade e especificidade.

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65

Antes de citar as características ecocardiográficas que ajudam nessa diferenciação, é importante lembrar alguns conceitos para que se possa fazer uma melhora correlação clínica com os achados ecocardiográficos:

A ecocardiografia é uma modalidade com alta acurácia diagnóstica neste contexto e atua como método de primeira linha para o diagnóstico de doenças pericárdicas.

Aqui vale ressaltar a importância da análise das variações respiratórias (respirometria), sobretudo na avaliação da mobilidade do septo interventricular, bem como dos fluxos venosos. O ideal é que uma análise com pelo menos 10 ciclos cardíacos seja realizada para interpretar de forma correta as variações relacionadas com o clico respiratório.

A avaliação indireta do ciclo respiratório se caracteriza da seguinte maneira, assumindo um intervalo R-R regular: a menor velocidade de onda E do fluxo transmitral corresponde ao pico da inspiração e a maior velocidade, ao pico expiratório.

Já quando se avalia o fluxo transvalvar tricúspide e a veia hepática, ocorre justamente o oposto: a maior velocidade de fluxo sistólico corresponde ao pico inspiratório e o menor, ao expiratório.

Classicamente, a cardiomiopatia restritiva se apresenta, à ecocardiografia bidimensional, com aumento significativo dos átrios e cavidades ventriculares normais, além de fração de ejeção (FE) preservada. Contudo, essas características não são específicas e também podem ocorrer na PC crônica.

Algumas características mais específicas podem direcionar para o diagnóstico de diferentes cardiomiopatias.

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65

O aumento da espessura do pericárdio, por sua vez, nem sempre é de fácil avaliação pelo ecocardiograma bidimensional. Portanto, devemos ficar atentos à mudanças do padrão de mobilidade das câmaras cardíacas (sobretudo do septo interventricular), aumento da ecogenicidade pericárdica e presença de sombra acústica por calcificação do pericárdio.

VEIA CAVA INFERIOR e RELAÇÃO E/A: o diâmetro da veia cava superior e a relação E/A do fluxo mitral são aspectos relevantes para a exclusão tanto de cardiomiopatia restritiva quanto de PC.

Apesar do diâmetro aumentado da veia cava inferior não diferenciar estas duas condições, uma veia cava inferior com diâmetro normal (21 mm) e/ou variabilidade inspiratório > ou igual a 50% praticamente exclui a possibilidade de PC (com repercussão hemodinâmica), já que estes achados estão presentes em apenas 2% dos casos.

Ambos os pacientes com cardiomiopatia restritiva e PC apresentam uma relação E/A elevada e com um tempo de desaceleração (TDA) curto.

Uma relação E/A, medida ao final da expiração, < 1 torna o diagnóstico de PC ou de cardiomiopatia restritiva muito pouco provável, sendo encontrada em apenas 6% dos casos de PC. Exceção deve ser dada a pacientes com pré-carga reduzida (diureticoterapia excessiva, por exemplo).

Uma redução inspiratória da velocidade da onda E mitral foi um dos primeiros achados ecocardiográficos descritos relacionados à CP, refletindo uma dissociação da pressão intratorácica. Classicamente, uma redução > 25% sugere PC, apesar de que este achado por estar ausente em até 1/3 dos pacientes. Uma redução de 15% da velocidade da onda E, por sua vez, mostrou sensibilidade de 84% e especificidade de 73% para o diagnóstico de PC.

MOVIMENTAÇÃO DO SEPTO INTERVENTRICULAR: as alterações típicas da movimentação do septo interventricular incluem o septal bounce (ver postagem) e o chamado respirophasic septal shift em que há uma redução da cavidade ventricular esquerda durante a inspiração e um aumento na expiração, caracterizando a acentuada interdependência ventricular.

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65

Apesar de sensível, o septal bounce perde em especificidade, uma vez que pode ocorrer em outras situações como pós pericardiotomia ou alterações da condução cardíaca (bloqueio de ramo esquerdo, por exemplo).

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Septal Bouce

O respirophasic septal shift foi observado em 93% dos casos de PC, com um valor preditivo positivo de 92% e valor preditivo negativo de 74%. Contudo, em até 31% dos pacientes com cardiomiopatia restritiva e/ou refluxo tricúspide importante este achado pode estar presente.

A avaliação com Doppler da veia cava inferior de pacientes com PC demonstra uma variação inspiratório mínima (pode até haver diminuição) nas velocidades do fluxo sistólico em razão da disfunção diastólica pela constrição mecânica do pericárdio.

Por outro lado, um aumento significativo da velocidade (>30-40 cm/s) do fluxo sistólico da veia cava inferior durante a inspiração, habitualmente com uma curva monofásica, sugere um septal shift secundário à variação das pressões intratorácicas ao invés de anormalidades pericárdicas.

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65

DOPPLER TISSULAR: aqui é um passo crucial na diferenciação destas duas doenças. Normalmente, a velocidade da onde e´ lateral é maior que a velocidade da onde e´ septal pela maior mobilidade miocárdica na região lateral.

Nos doenças miocárdicas intrínsecas, ambas as ondas e´ apresentam velocidades reduzidas, mantendo o mesmo padrão de e´ lateral > e´ septal. Já na CP “pura”* a função miocárdica (e o relaxamento) está preservada, porém em razão da adesão pericárdica, a expansão diastólica do VE vai depender muito mais da movimentação no sentido logitudinal que no sentido lateral.

*Nos casos em que há PC em pacientes já portadores de alguma miocardiopatia, a onda e´ septal pode estar inapropriadamente normal. Portanto, um aumento da onde e´ septal em paciente com miocardiopatia conhecida deve levantar a suspeita de pericardite constritiva, embora não seja um achado patognomônico (pode ocorrer na fibrilação atrial e insuficiência cardíaca com alto débito).

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Desta forma, a onda e´ septal frequentemente é maior que a onda e´ lateral.

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65

Em um estudo, a velocidade média da onda e´ septal na PC foi de 12.9 cm/s e a relação e´ lateral/ e´ septal > 1 foi perdida em razão do tethering da parede lateral (é o chamado annulos reversus – já comentado aqui no blog). Nessa mesma série, um onda e´ septal > ou igual a 9 cm/s teve um valor preditivo positivo de 94% para o diagnóstico de PC. Já na cardiomiopatia restritiva, a onda e´ septal pode estar tão baixa quanto 2-3 cm/s.

FLUXO DA VEIA HEPÁTICA: de forma geral, a presença de fluxo reverso diastólico expiratório aumentado da veia hepática é o achado de Doppler mais específico para o diagnóstico de PC.

Circ Cardiovasc Imaging. 2014;7:526-534

Uma razão ≥ 0.79 da velocidade do fluxo reverso diastólico da veia hepática na expiração tem especificidade de 88% para PC e um valor preditivo positivo de 96%. Já na cardiomiopatia restritiva, há um aumento do fluxo reverso diastólico durante a inspiração.

SPECKLE-TRACKING BIDIMENSIONAL: a torção apical (twist) e o strain circunferencial são menores na PC quando comparado com a cardiomiopatia restritiva.

Pacientes com cardiomiopatia restritiva tendem a ter um strain global longitudinal (SGL) do VE significativamente reduzido. Na PC, por sua vez, a adesão pericárdica afeta sobretudo o ventrículo direito (VD) e a parede livre do VE, e menos a região do septo interventricular. Por consequência, o strain longitudinal estará mais reduzido lateralmente e inferiormente do que na região septal – é o chamado strain reversus. Este é um padrão que habitualmente reverte após a pericardiotomia.

O tethering pericárdico ao longo da parede lateral leva a uma redução mais significativa nesta região comparada com a região septal (J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65),

J Am Soc Echocardiogr 2023;36:1254-65
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