O Átrio Esquerdo na Amiloidose Cardíaca TTR: revisão de artigo

A amiloidose cardíaca, em estágios avançados, cursa com um fenótipo restritivo de cardiomiopatia. Assim como nas cavidades ventriculares, há também infiltração atrial com importante impacto funcional.

A avaliação dos átrios deve, portanto, ir além da análise volumétrica e a utilização de recursos avançados, como o strain, tem se mostrado como uma estratégia relevante para análise funcional e prognóstica.

Estudos têm demonstrando que, na amiloidose cardíaca, ocorre uma redução tanto na função contrátil do átrio esquerdo (AE) quanto na função de reservatório, fazendo com que esta cavidade funcione apenas como um conduto durante o ciclo cardíaco. Apesar disso, os estudos utilizando a técnica de speckle-tracking para a avaliação da função atrial esquerda na amiloidose TTR são escassos.

Bandera et al, JACC: CARDIOVASCULAR IMAGING, VOL. 15, NO. 1, 2022
Left Atrial Infiltration in ATTR-CM JANUARY 2022:17 – 2 9

O objetivo desse estudo foi caracterizar o espectro de alterações na estrutura do AE, atavés de análise postmortem de pacientes com amiloidose TTR, além de analisar as consequências funcionais e mecânicas em uma grande cohort de pacientes com o diagnóstico de amiloidose TTR utilizando a ecocardiografia com a técnica de strain.

Estudo prospectivo com 906 pacientes portadores de amiloidose TTR. Ainda, foi realizado estudo histológico de 05 corações explantados através de análise postmortem.

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A análise ecocardiográfica incluiu, além dos diâmetro e volume do AE, a função através do strain do AE fases de reservatório, bomba e conduto, além do cálculo do índice de rigidez atrial (E/e´ dividido pelo strain reservatório).

Em relação à análise postmortem, a média de idade do indivíduos avaliados foi de 61 anos (51-88 anos). Os depósitos amiloides foram severos e difusos em 3 casos e moderados e focais nos outros 2 casos restantes. Em todas as peças analisadas a infiltração amiloide foi associada com remodelamento miocárdico à histologia, com achados que incluíam alterações morfológicas dos miócitos como atrofia e afilamento, além de vacuolização. Redução da rede de capilares (rarefação) também foi observada em todos os 5 casos.

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A rigidez atrial foi significativamente maior nos pacientes com amiloidose cardíaca (1.83 [1.15-2.92]) comparado com os valores de referência (mean ± SD, 0.21 ± 0.1). Ainda, houve redução significativa no strain do AE em todas as três fases: reservatório (8.86%, 5.94-12.97%), conduto (6.5%, 4.53-9.28%) e bomba (4.0%, 2.29-6.56%).

Houve uma fraca correlação entre o índice de rigidez atrial e dilatação do AE, contudo a redução deste índice se associou com redução progressiva da fases de reservatório, conduto e bomba.

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Entre os 906 pacientes, 564 (62.2%) estavam em ritmo sinusal e dos 342 (37.8%) que apresentaram arritmias, 313 (91.5%) tinham fibrilação atrial (FA) e 29 (8.5%), flutter atrial ou taquicardia atrial.

Dos que estavam em ritmo sinusal, 439 (77.8%) apresentavam evidência de contração atrial na análise do strain (grupo com LAMC left atrial mechanical contraction) e 125 (22.2%) tinham ausência de onda A ou onda A com velocidade < 20 cm/s, demonstrando ausência de contração (grupo sem LAMCleft atrial mechanical contraction).

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Os pacientes do grupo sem LAMC e os pacientes que não estavam em ritmo sinusal apresentaram valores semelhantes de NT-proBNP, troponina, taxa de filtração glomerular e teste de caminhada de 6 minutos. Já os pacientes do grupo com LAMC apresentaram todos esses parâmetros significativamente reduzidos.

Pacientes sem LAMC apresentaram disfunção sistólica mais significativa quando comparados com o grupo com LAMC. O strain de reservatório e o índice de rigidez atrial, por sua vez, foram significativamente reduzidos no grupo sem LAMC e de forma semelhante aos pacientes em ritmo não sinusal.

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Durante o seguimento (média de 35 ± 22 meses), 370 (40.8%) dos 906 pacientes foram a óbito. A média de sobrevida, a partir do diagnóstico, foi portanto de 55 meses para todos os pacientes, com média de 58 para o grupo com LAMC e 44 meses para o grupo sem LAMC. Já os pacientes em ritmo não sinusal, apresentaram média de sobrevida de 51 meses.

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Do momento diagnóstico, o índice de rigidez atrial se mostrou como variável independente associada a sobrevida (HR:1.23; 95% IC: 1.03-1.49; P = 0.029) assim como o volume indexado do átrio direito ((HR: 1.05; 95% IC: 1.01-1.10; P = 0.033), strain longitudinal do ventrículo esquerdo (HR: 1.07; 95% IC: 1.03-1.12; P = 0.002) e regurgitação mitral significativa (HR: 1.35; 95% IC: 1.03-1.77; P = 0.032).

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A infiltração amiloide extensa nas cavidades atriais leva a uma perda da arquitetura habitual, remodelamento vascular, rarefação dos capilares e induz um mecanismo de upregulation na produção de colágeno no subendocárdio. Isso se traduzirá em aumento significativo da rigidez atrial, que, por sua vez, se correlaciona de forma independente com desfechos negativos.

A rigidez atrial elevada se associa a redução das fases de bomba e reservatório, com até 1/5 dos pacientes não apresentando evidência de contração atrial, porém se mantendo em ritmo sinusal, ou seja, com dissociação eletromecânica.

À medida em que a infiltração progride há um aumento da pressão atrial esquerda que levará a um padrão pseudonormal de diástole. Nos estágios mais avançados e com o aumento da rigidez ventricular, ocorre um padrão de restrição ao fluxo e aumento significativo da pressão ventricular esquerda com pouco aumento do volume.

Contudo, o aumento da relação E/A pode refletir não necessariamente um padrão de restrição, mas também uma redução da capacidade contrátil (onda A) resultante da disfunção primária do AE causada pelo aumento da rigidez em razão da infiltração amiloide atrial.

Embora seja difícil determinar se a redução da onda A é reflexo de uma disfunção do AE propriamente dito ou de uma fisiologia restritiva, é muito provável que haja algum componente de alteração da função atrial. Esse hipótese se justifica pelos achados histológicos encontrados no presente estudo, assim como pelos resultados, após regressão linear, das análises da função de reservatório do AE, que mostraram uma capacidade muito baixa das variáveis convencionais de função diastólica de predizer a mecânica atrial esquerda.

O estudo sugere, segundo os autores, que a infiltração amiloide do átrio esquerdo com consequente aumento da rigidez atrial é um componente importante na mecânica cardíaca, sendo, de forma independente, como um preditor diagnóstico no contexto da amiloidose TTR.

Esse padrão específico de remodelamento é diferente das alterações tipicamente observadas nos casos de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida ou regurgitação mitral significativa, situações em que a dilatação do átrio esquerdo é característica predominante, com posterior redução da função de reservatório e aumento da rigidez apenas nos estágios mais avançados de doença.

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