A miocardiopatia hipertrófica (MCPH) é a cardiomiopatia hereditária mais comum, com diferentes genótipos e fenótipos amplamente conhecidos. A MCPH apical, por sua vez, é notadamente conhecida por ser um subtipo bastante desafiador, seja quando falamos no diagnóstico ou no manejo desses pacientes.
A medida da fração de ejeção (FE) isoladamente, neste contexto específico, tem valor limitado para determinar a função sistólica do ventrículo esquerdo (VE) na MCPH apical. Por outro lado, a medida do strain global logintudinal (SGL) é o método de escolha para quantificar a função ventricular desses pacientes.
A literatura já demonstrou que uma boa correlação entre um SGL alterado em pacientes com MCPH e fibrose miocárdica, documentada pelo realce tardio na ressonância magnética e arritmias ventriculares malignas.
Sabemos, porém, que um importante limitador do SGL é que sua medida pode variar de acordo com a pós carga no momento do exame. Por esse motivo, um estudo publicado no Journal of American Society of Echocardiography avaliou o uso do trabalho miocárdico em pacientes com MCPH apical.
O objetivo da publicação era (1) caracterizar o padrão de SGL e os índices de trabalho miocárdico nos pacientes com MCPH apical comparando com pacientes com MCPH não apical e (2) descrever a associação entre os índices de trabalho miocárdico com variáveis clínicas, bem como (3) com os achados de ressonância magnética, particularmente a presença de realce tardio, um marcador de fibrose miocárdica.
Uma análise retrospectiva de 48 pacientes com MCPH apical e 69 pacientes com MCPH não apical com medidas do SGL, índice de trabalho global (GWI), trabalho construtivo global (GCW), trabalho global desconstrutivo (GWW) e índice global de eficiência (GWE). Essas informações foram, posteriormente, comparadas com dados de ressonância magnética (RM) cardíaca de 34 pacientes com MCPH apical e de 51 pacientes com MCPH não apical.
Os critérios de exclusão foram (1) obstrução severa de fluxo da via de saída em repouso (> 30 mmHg), (2) gradiente intraventricular severo em repouso, (3) marcapasso/CDI, (4) fibrilação atrial ao exame ecocardiográfico, (5) estenose aórtica severa, (6) miomectomia septal ou (7) ablação alcoólica septal.
Pacientes com MCPH apical apresentaram valores médios de NT-próBNP significativamente maiores que os pacientes com MCPH não apical (NT-proBNP, 507 ng/mL; IQR, 234-1,166 vs 268 ng/mL; IQR, 122-523; P = .003) e de troponina ultrassensível (42% vs 13%, P < .001).
O SGL médio foi significativamente menor no grupo de MCPH apical (-11%; IQR, -13, -9), comparado com o grupo não apical (-18%; IQR, -21, -15; P < .001).
Todas as medidas de trabalho miocárdico foram menores no grupo MCPH apical comparado com o grupo MCPH não apical (P < 0.001).
Apesar dos pacientes com MCPH apical terem maiores taxas de fibrose miocárdica na RM (47%) que os pacientes com MCPH não apical (31%), não houve diferença estatisticamente significativa (P = 0.144).
Nos pacientes com MCPH apical, níveis elevados de NT-próBNP (95% CI, –0.38 to – 0.08; P = .003), de troponina ultrassensível (95% CI, –439.11 to – 33.10; P = .024) e aumento da espessura miocárdica (95% CI, – 526.46 to 60.01; P = .015) se associaram com redução do GWI. Da mesma forma, essas variáveis também se associaram, de forma significativa, com a redução do CGW.
O mesmo padrão de comportamento foi observado nos pacientes com MCPH não apical: aumento de NT-próBNP (95% CI, –0.29 to 0.02; P = .027) e aumento da espessura miocárdica (95% CI, –699.84 to 246.99; P < .001) se associaram a valores reduzidos de GWI. Contudo apenas o aumento da espessura miocárdica se associou com redução do GCW (95% CI, –768.89 to 265.44; P < .001). Valores aumentados do diâmetro diastólico interno do VE se associaram ao aumento do trabalho desconstrutivo (95% CI, 9.37-52.68; P = .006).
Valores aumentados de GWW se associaram a episódios documentados de taquicardia ventricular não sustentada (95% CI, 21.73-156.91; P = .011).
A presença de aneurisma apical nos pacientes do grupo MCPH apical se associou a uma redução do SGL (odds ratio = 0.65; 95% CI, 0.48-0.90; P = 0.007), do GWI (OR = 0.996; 95% CI, 0.994-0.999; P = 0.005), do GCW (OR = 0.997; 95% CI, 0.995-0.999; P = 0.013) e do GWE (OR = 0.87; 95% CI, 0.78-0.97; P = 0.001), bem como de valores aumentados de NT-próBNP (OR = 1.001; 95% CI, 1.000-1.002; P = 0.029).
Nos pacientes com MCPH apical, o GCW (OR = 0.997; 95% CI, 0.993-1.00; P = .047), NT-próBNP (OR = 1.004; 95% CI, 1.00-1.01; P = .041), troponina elevada (OR = 13.1; 95% CI, 1.8-93.3; P = .010), aumento da espessura miocárdica (OR = 21.4; 95% CI, 1.4 – 329.6; P = .028) e classe funcional (NYHA) > ou igual a II (OR = 0.024; 95% CI, < 0.001-0.969; P = .048) se associaram com a presença de fibrose miocárdica > ou igual a 15% na RM.
SGL, GWI e a presença de aneurisma apical não se associaram com realce tardio significativo.
No grupo MCPH não apical, o SGL (OR = 0.45; 95% CI, 0.26- 0.76; P = .003), GCW (OR = 0.997; 95% CI, 0.995-0.999; P = .010), GWI (OR = .997; 95% CI, 0.994-0.999; P = .010) e espessura miocárdica aumentada (OR = 70.1; 95% CI, 4.4-1,124.7, P = .003) se associaram com a presença de fibrose miocárdica > ou igual a 15% na RM. Neste grupo, porém, o NT-próBNP, troponina elevada e classe funcional > ou igual a II não se correlacionaram com a presença de realce tardio significativo.
Portanto, no grupo MCPH apical, o GCW apresentou melhor valor em predizer realce tardio na RM, porém apenas com uma acurácia modesta. (AUC = 0.70). O valor de corte de 1,264 mmHg% teve sensibilidade de 94%, porém uma especificidade de apenas 50% para predizer fibrose miocárdica.
O SGL (AUC = 0.61) e o GWI (AUC = 0.91) foram consideradas parâmetros ruins para predizer realce tardio nos pacientes com MCPH apical.
Já nos pacientes com MCPH não apical, o SGL foi um forte preditor de realce tardio (AUC = 0.91), com um ponto de corte de 17% apresentando sensibilidade de 81% e especificidade de 80% para fibrose miocárdica. Nesse grupo, o GCW (AUC = 0.81) e GWI (AUC = 0.81) também apresentaram boa acurácia, mas não tanto quanto o SGL.
Portanto, podemos observar que (1) o índice de trabalho miocárdico foi significativamente menor nos pacientes com MCPH apical e (2) o GWI e GCW se associaram a variáveis clínicas importantes (NT-próBNP, troponina ultrassensível, espessura miocárdica aumentada e presença de aneurisma apical), contudo (3) o GCW e o SGL se mostraram preditores modestos de realce tardio na RM nesse grupo. No grupo de MPCH não apical, por sua vez, o SGL foi um forte preditor de fibrose miocárdica.
Já que o GWI e o GCW se associaram à variáveis clínicas, esses recursos podem ser utilizados como ferramenta adicional para individualizar o seguimento dos pacientes com MCPH apical, contudo quando pensamos em fibrose miocárdica, o papel deles é limitado.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.