Marcadores Ecocardiográficos para o Diagnóstico de Massas Cardíacas: revisão de artigo

Os tumores cardíacos compreendem uma entidade clínica heterogênea, que incluem lesões benignas e malignas, e o seu diagnóstico continua sendo um grande desafio.

Sabemos que o padrão ouro para o diagnóstico de massas/tumores cardíacos é a biópsia (Bx) endomiocárdica, contudo esta técnica apresenta limitações significativas, dada a complexidade e potenciais complicações, além de ser muito pouco disponível (requer centros de alta complexidade e equipe altamente especializada).

A ecocardiografia, pela acessibilidade, costuma ser o exame de primeira linha para a avaliação dos tumores cardíacos. Apesar de ter importantes limitações no sentido de tentar definir a etiologia da lesão, este método consegue fornecer informações relevantes, como localização, tamanho, morfologia, mobilidade, envolvimento pericárdico associado e impacto hemodinâmico.

Na tentativa de melhorar a acurácia da ecocardiografia para diferenciar uma massa cardíaca entre uma lesão benigna de uma maligna, um estudo conduzido no Bologna University Hospital avaliou seis diferentes parâmetros ecocardiográficos para tal discriminação.

Trata-se de um estudo observacional, publicado no Journal of the American Society of Echocardiology, com 286 pacientes que realizaram ecocardiograma, dentre outros exames de imagem, por suspeita de massa intracardíaca, e com diagnóstico definitivo confirmado através de estudo histopatológico (ou, quando na presença de trombo, pela resolução total da lesão após terapia anticoagulante) entre 2004 e 2022.

A massas intracardíacas foram classificadas como benigna ou maligna. As lesões benignas compreenderam os pseudotumores (grupo heterogêneo de lesões que não se originam de transformação neoplásica de grupos celulares específicos) e tumores primários. Já as malignas, tumores primários malignos e tumores secundários. Todos os casos foram classificados de acordo com a classificação de tumores intracardíacos e pericárdicos da World Health Organization de 2015.

As variantes anatômicas foram excluídas desta avaliação pela impossibilidade de se obter a análise histopatológica destas estruturas. Nos pacientes com massa cardíaca e suspeita de endocardite infecciosa (EI), todos os exames de imagem e testes laboratoriais foram realizados e os casos confirmados de EI foram excluídos do estudo.

Os parâmetros ecocardiográficos avaliados foram:

1- Localização: direita/esquerda, átrio/ventrículo, pericárdio, grandes vasos;

2- Sítio de inserção: septo interatrial/interventricular, teto/parede lateral atrial, parede livre ventricular;

3- Dimensão;

4 – Formato: regular/irregular;

5 – Margens: bem definidas (> 50% das bordas bem delimitadas)/irregulares;

6 – Características: séssil/pedunculado, polipóide (presença de dois ou mais lobos), mobilidade, infiltração (alteração da ecogenicidade comparada com o miocárdio normal e/ou aumento da espessura em comparação com o segmento miocárdico adjacente e/ou hipocinesia ou acinesia focal não respeitando território coronariano);

7- Derrame pericárdico;

8- Ecogenicidade: hipo/hiperecóico (comparado com miocárdio normal).

No presente estudo, o ecocardiograma apresentou sensibilidade de 91.4% (286 de 313 pacientes) para o diagnóstico de massa cardíaca. Em relação à análise histopatológica, foram 212 (74.1%) casos de lesões benignas e 74 (25.9%) casos de tumor maligno. Ainda, 35 pacientes tinham trombo intracardíaco. O seguimento médio dos pacientes foi de 22 meses.

As lesões benignas foram mais comumente localizadas nas câmaras esquerdas, enquanto que as lesões malignas, do lado direito do coração, no pericárdio ou nas artérias pulmonares (P < 0.001). Por esta razão, pacientes com lesões benignas apresentaram mais embolização periférica e os pacientes com lesões malignas, embolia pulmonar (P < 0.05 para ambos). Ainda, as lesões malignas exibiram maior nível de inflamação, expresso por proteína-C elevada e leucocitose (P < 0.1).

Ecocardiograficamente, as lesões benignas se apresentavam mais comumente como massas móveis, pedunculadas e aderidas ao septo interatrial (P < 0.001). Por outro lado, os tumores malignos tinham diâmetros maiores* (diâmetro > 30 mm se associou mais fortemente à malignidade), maior frequência de margens irregulares, aparência heterogênea, implantação séssil e formato polipóide (P < 0.01 para todos esses parâmetros).

*O tamanho das lesões não foi levado em consideração no escore em razão de que os mixomas (lesão benigna) podem apresentar-se com tamanhos variáveis, tornando esse parâmetro não tão confiável!

Quando relacionado à lesões benignas, o derrame pericárdico normalmente era de grau leve. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE) e volume sistólico final do VE forma similares entre os dois grupos.

Infiltração (1), derrame pericárdico moderado ou importante* (2), localização em câmaras direitas (3), implantação séssil (4), formato polipóide (5) e falta de homgeneidade (6) foram considerados preditores independentes de malignidade.

* Ou seja, mais importante que a simples presença de derrame pericárdico é a sua magnitude!

Levando estes achados em consideração, um escore com base nesses 6 parâmetros foi criado, variando de 0 a 6, com um valor de corte de 3 ou mais variáveis positivas aumentando a especificidade e sensibilidade (em relação ao diagnóstico etiológico) para o diagnóstico de lesão maligna.

Dentro as variáveis, a infiltração, de forma isolada, teve um valor preditivo positivo de 82.5% para o diagnóstico de massa maligna, sendo considerada a característica mais relevante para esse contexto. Nos casos em que não havia infiltração, a localização do lado direito do coração e implantação séssil foram as alterações que mais se associaram a malignidade.

Houve concordância entre a análise ecocardiográfica e o diagnóstico histopatológico em 257 dos 286 casos (89.9%). Isso aconteceu 91.5% dos casos de lesões benignas e 85.1% dos casos com massas malignas.

A acurácia do diagnóstico ecocardiográfico foi de 90% (94% de sensibilidade e 80% de especificidade), com 92% de valor preditivo positivo e 84% de valor preditivo negativo.

Quando comparado com a ressonância cardíaca, a ecocardiografia demonstrou acurácia diagnóstica de 87% para predizer a natureza da lesão. Já em relação à tomografia computadorizada, esse valor foi de 79.5%.

Durante o seguimento, pacientes com 3 ou mais variáveis positivas para malignidade tiveram pior prognóstico (mortalidade de 29%). Uma comparação entre pacientes com 3 ou mais variáveis x pacientes com < 3 variáveis demonstrou uma maior mortalidade por todas as causas para o grupo com 3 ou mais variáveis (RR 6.65, IC 95%, P < 0.001).

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Antônio Gurgel

Excelentes informações! Com certeza com esse padrão de investigação ecocardiografico de massas intracardiacas, o exame torna se mais acurado e orienta a melhor conduta.

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