No contexto das valvopatias, um grande marco na evolução destas doenças é a presença de sintomas relacionados à disfunção valvar. A partir deste momento, a história natural da doença passa a ter uma evolução mais desfavorável.
A ausência de sintoma, por sua vez, pode dificultar a tomada de decisão, sobretudo quando a valvopatia ainda não se encontra num estágio avançado de “estadiamento”.
Quando falamos em estenose aórtica (EAo), sobretudo de etiologia senil, entramos em um mundo complexo, com variáveis clínicas e hemodinâmicas que precisam ser levadas em consideração para um correto manejo dessa tão desafiante valvopatia.
Antes de falarmos propriamente da impedância valvuloarterial, é importante lembrar de alguns conceitos fisiopatológicos que envolvem a EAo senil:
- Uma vez estabelecida a lesão valvar, o ventrículo esquerdo (VE) começa a lidar com uma situação de pós-carga elevada de forma persistente, levando a um aumento das pressões de enchimento ventriculares. De forma adaptativa, o VE inicia um processo de hipertrofia compensatória;
- Os miócitos aumentam e, junto deles, há também aumento do espaço intersticial;
- Em fases avançadas, ocorre apoptose das células musculares, gerando fibrose miocárdica, levando a diminuição da capacidade contrátil do VE;
- Enquanto há compensação hemodinâmica, experimentamos a ausência de sintomas, mas uma vez que essa delicada balança se altere, surgem as queixas de dispneia, dor torácica ou síncope.
Vale lembrar que a fração de ejeção (FE) do VE é influenciada tanto pela função miocárdica intrínseca, bem como pela geometria da cavidade ventricular. Logo, uma FE preservada não obrigatoriamente implica em um VE com função miocárdica normal! É possível, portanto, haver disfunção ventricular incipiente (subclínica) já durante esse processo de hipertrofia, mesmo que ainda com FE preservada.
Aproximadamente 51% dos pacientes com EAo senil apresentam também hipertensão arterial sistêmica (HAS). Nestes casos, além do aumento da pós-carga pela EAo, há também o componente hemodinâmico dado pela própria HAS (redução da complacência arterial + aumento da resistência vascular periférica). Assim o VE sofre por um “duplo aumento” da pós-carga. Não à toa, os indivíduos hipertensos e portadores de EAo desenvolvem hipertrofia ventricular esquerda de forma mais pronunciada quando comparados com pacientes sem HAS.
De forma técnica, esse “duplo aumento” da pós-carga é chamado de impedância valvuloarterial (Zva), que representa a força, em mmHg, para cada mililitro de sangue por m² de superfície corpórea bombeado pelo ventrículo esquerdo durante a sístole.
Em outras palavras, significa o fator valvular somado ao fator arterial que se opõem à capacidade de ejeção do VE !!!
E qual seria a importância desse parâmetro? a Zva se mostrou como um importante preditor de efeitos adversos em pacientes assintomáticos e com EAo pelo menos moderada, sendo superior aos parâmetros convencionais de graduação da EAo.
Em um estudo com 544 pacientes com EAo moderada, com fallow up médio de 2,5 anos, ficou demonstrando que um valor de Zva > 4,5 mmHg/ml/m² se relacionou com menor sobrevida, de forma significativa, quando comparados com pacientes com Zva entre 3,5-4,5 mmHg/ml/m² e com aqueles com Zva < 3,5 mmHg/ml/m².
Neste mesmo estudo, um Zva entre 3,5-4,5 mmHg/ml/m² se associou a uma elevação de 2,3 vezes (95% CI: 1.16 to 4.71; p = 0.03) vezes na mortalidade geral e 3,11 vezes na mortalidade por causas cardiovasculares. Enquanto que um Zva > 4,5 mmHg/ml/m² se associou a um aumento de 2,76 (95% CI: 1.32 to 5.92; p = 0.01) vezes na mortalidade geral e 3,71 vezes na mortalidade por causas cardiovasculares.
Seria como se o VE de um paciente com EAo moderada + HAS estivesse sendo submetido a um aumento da pós-carga equivalente ou até superior a um VE de um paciente com EAo importante, mas sem HAS!
Entendido a parte teórica, vamos agora saber como calcular a Zva:
Ou seja, com as medidas da via de saída do VE, VTI da via de saída do VE, VTI da valva aórtica e com a medida da pressão arterial, aferida na hora do exame, é possível fazer o cálculo deste parâmetro.
A Diretriz Brasileira de Valvopatia cita a Zva no algoritmo de avaliação do paciente com EAo pardoxal.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.