A fibrilação atrial é uma arritmia muito frequente na população, cuja presença faz aumentar o risco de eventos embólicos e de insuficiência cardíaca.
Em casos selecionados, a ablação por radiofrequência tem sido uma opção terapêutica cada vez mais utilizada no dia-a-dia. Como todo e qualquer procedimento invasivo, a ablação por isolamento da veias pulmonares não está isenta de complicações, embora estas sejam infrequentes.
Tamponamento cardíaco, eventos embólicos , estenose de veias pulmonares e lesões extracardíacas são exemplos de possíveis complicações associadas a este tipo de procedimento.
Aqui trago um relato de fístula atrioesofágica pós ablação por radiofrequência de fibrilação atrial.
Homem, 65 anos, com histórico de hipertensão arterial sistêmica e fibrilação atrial (FA) persistente há aproximadamente 10 anos, foi admitido em centro de referência para avaliação de manejo da arritmia.
Por ter uma alta resposta ventricular refratária à antiarrítmicos, o paciente foi submetido a ablação por cateter por radiofrequência com isolamento das veias pulmonares.
Durante o seguimento, em consulta duas semanas após o procedimento, o paciente passou a relatar uma tosse irritativa, inicialmente atribuída a causa respiratória. 3 semanas depois, foi admitido no pronto socorro com cefaleia de forte intensidade, tosse e febre. A tosse era persistente e incessante, com piora quando o paciente tentava falar.
Exames laboratoriais com leucocitose importante (21.000 cel/mL) e tomografia de crânio revelando uma pequena área de hemorragia subaracnóidea, a qual foi atribuída pela equipe de neurologia aos acessos de tosse no contexto de um paciente anticoagulado.
O paciente foi transferido para unidade de terapia intensiva, com suspensão da terapia varfarínica e iniciado antibioticoterapia de amplo espectro. Ainda, o paciente passou a queixar-se de dispneia, motivo pelo qual foi realizado ecocardiograma.
Durante o exame, foram observadas bolhas intermitentes predominantemente visualizadas no interior do ventrículo esquerdo e, de forma menos significativa, no átrio esquerdo (AE). As bolhas ficavam mais evidentes quando o paciente tossia (vídeo 1), sugerindo a possibilidade de ar dentro das câmaras cardíacas, o que levantou a hipótese de uma comunicação com o esôfago ou árvore brônquica.
Antes de prosseguir na investigação etiológica deste achado, o quadro clínico do paciente piorou de forma rápida e gradativa, com significativo rebaixamento do nível de consciência por provável embolia cerebral gasosa. Foi realizado intubação orotraqueal de forma seletiva (para diminuir danos ainda maiores em caso de fístula entre o AE e a via aérea). Como o paciente havia realizado recentemente a ablação por cateter, foi realizado endoscopia digestiva alta pela potencial capacidade diagnóstica e terapêutica.
O exame evidenciou um grande trombo na parede anterior do esôfago distal, achado este consistente com uma fístula entre o esôfago e o átrio esquerdo. Um stent revestido foi implantado no local da fístula, contudo o paciente continuou a piorar e apresentou parada cardiorrespiratória (embolia gasosa para território coronário ?) e óbito.
Durante a autópsia, foi revelada uma fístula com 3 mm de diâmetro conectando o esôfago ao AE.
Este tipo de complicação foi primeiramente relatado na literatura em 2001 e, desde então, é amplamente reconhecida. Apesar de sua verdadeira incidência possivelmente ser subestimada, ainda assim continua sendo de rara ocorrência (0.015-1.5%) e, na maioria dos casos, acontece em pacientes do sexo masculino, entre o 2-60 dias após o procedimento. A taxa de mortalidade varia entre 40-80% e os sobreviventes normalmente apresentam danos neurológicos permanentes.
A apresentação clínica é variável, mas os sinais/sintomas mais frequentes são febre (mais comum), déficits neurológicos, hematêmese, dor torácica e odinofagia.
O estudo tomográfico do tórax com contraste venoso pode auxiliar no diagnóstico ao evidenciar a entrada de contraste no esôfago ou no mediastino através do AE. Ainda, pode demonstrar a presença de pneumomediastino, pneumopericárdio ou presença de ar no interior do AE.
Apesar do ecocardiograma transesofágico ter alto potencial para determinar a origem das bolhas, este exame não foi considerado neste caso pelo alto risco de piora da fístula através da manipulação esofágica.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.