A fibrilação atrial é uma arritmia muito frequente na população, cuja presença faz aumentar o risco de eventos embólicos e de insuficiência cardíaca.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2022/07/info-abel-cirurgia-ablacao-14408.jpeg)
Em casos selecionados, a ablação por radiofrequência tem sido uma opção terapêutica cada vez mais utilizada no dia-a-dia. Como todo e qualquer procedimento invasivo, a ablação por isolamento da veias pulmonares não está isenta de complicações, embora estas sejam infrequentes.
Tamponamento cardíaco, eventos embólicos , estenose de veias pulmonares e lesões extracardíacas são exemplos de possíveis complicações associadas a este tipo de procedimento.
Aqui trago um relato de fístula atrioesofágica pós ablação por radiofrequência de fibrilação atrial.
Homem, 65 anos, com histórico de hipertensão arterial sistêmica e fibrilação atrial (FA) persistente há aproximadamente 10 anos, foi admitido em centro de referência para avaliação de manejo da arritmia.
Por ter uma alta resposta ventricular refratária à antiarrítmicos, o paciente foi submetido a ablação por cateter por radiofrequência com isolamento das veias pulmonares.
Durante o seguimento, em consulta duas semanas após o procedimento, o paciente passou a relatar uma tosse irritativa, inicialmente atribuída a causa respiratória. 3 semanas depois, foi admitido no pronto socorro com cefaleia de forte intensidade, tosse e febre. A tosse era persistente e incessante, com piora quando o paciente tentava falar.
Exames laboratoriais com leucocitose importante (21.000 cel/mL) e tomografia de crânio revelando uma pequena área de hemorragia subaracnóidea, a qual foi atribuída pela equipe de neurologia aos acessos de tosse no contexto de um paciente anticoagulado.
O paciente foi transferido para unidade de terapia intensiva, com suspensão da terapia varfarínica e iniciado antibioticoterapia de amplo espectro. Ainda, o paciente passou a queixar-se de dispneia, motivo pelo qual foi realizado ecocardiograma.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2022/07/1-s2.0-S246864411730097X-gr1.jpg)
Durante o exame, foram observadas bolhas intermitentes predominantemente visualizadas no interior do ventrículo esquerdo e, de forma menos significativa, no átrio esquerdo (AE). As bolhas ficavam mais evidentes quando o paciente tossia (vídeo 1), sugerindo a possibilidade de ar dentro das câmaras cardíacas, o que levantou a hipótese de uma comunicação com o esôfago ou árvore brônquica.
Antes de prosseguir na investigação etiológica deste achado, o quadro clínico do paciente piorou de forma rápida e gradativa, com significativo rebaixamento do nível de consciência por provável embolia cerebral gasosa. Foi realizado intubação orotraqueal de forma seletiva (para diminuir danos ainda maiores em caso de fístula entre o AE e a via aérea). Como o paciente havia realizado recentemente a ablação por cateter, foi realizado endoscopia digestiva alta pela potencial capacidade diagnóstica e terapêutica.
O exame evidenciou um grande trombo na parede anterior do esôfago distal, achado este consistente com uma fístula entre o esôfago e o átrio esquerdo. Um stent revestido foi implantado no local da fístula, contudo o paciente continuou a piorar e apresentou parada cardiorrespiratória (embolia gasosa para território coronário ?) e óbito.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2022/07/1-s2.0-S246864411730097X-gr2_lrg-1024x501.jpg)
Durante a autópsia, foi revelada uma fístula com 3 mm de diâmetro conectando o esôfago ao AE.
Este tipo de complicação foi primeiramente relatado na literatura em 2001 e, desde então, é amplamente reconhecida. Apesar de sua verdadeira incidência possivelmente ser subestimada, ainda assim continua sendo de rara ocorrência (0.015-1.5%) e, na maioria dos casos, acontece em pacientes do sexo masculino, entre o 2-60 dias após o procedimento. A taxa de mortalidade varia entre 40-80% e os sobreviventes normalmente apresentam danos neurológicos permanentes.
A apresentação clínica é variável, mas os sinais/sintomas mais frequentes são febre (mais comum), déficits neurológicos, hematêmese, dor torácica e odinofagia.
O estudo tomográfico do tórax com contraste venoso pode auxiliar no diagnóstico ao evidenciar a entrada de contraste no esôfago ou no mediastino através do AE. Ainda, pode demonstrar a presença de pneumomediastino, pneumopericárdio ou presença de ar no interior do AE.
Apesar do ecocardiograma transesofágico ter alto potencial para determinar a origem das bolhas, este exame não foi considerado neste caso pelo alto risco de piora da fístula através da manipulação esofágica.
![](https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2023/03/foto-2.jpg)
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Espetacular o caso. Merece publicação. Parabéns!
Olá, Alex. Muito obrigado por acompanhar o blog da escola. Esse caso foi retirado de um periódico de livre acesso chamado CASE da Elsevier e coloquei no próprio texto o link para o artigo original (esta na palavra “relato” do quarto parágrafo). Grande abraço