Estenose Mitral com Baixo Gradiente: um olhar mais amplo

A estenose valvar mitral (EMi), ainda muito prevalente no nosso meio, tem como característica a fusão comissural e, posterior, redução da área valvar, resultando em aumento da pressão no átrio esquerdo (AE).

Esse aumento pressórico é resultado não só da dificuldade do sangue de passar do AE para o ventrículo esquerdo (VE) durante a diástole (impedância valvar), mas também pela inabilidade do VE, comprometido pelo acometimento do aparato subvalvar (e, por consequência do miocárdio adjacente), pela disfunção diastólica e também pela disfunção sistólica.

El Sabbagh et al, ow-Flow, Low-Gradient Severe Mitral Stenosis, Journal of the American Heart Association

Com os avanços na assistência à saúde (mesmo que à passos muito lentos), temos observado que os pacientes portadores de EMi reumática apresentam uma maior sobrevida, ou seja, estão envelhecendo. Com isso, além da sequela valvar da doença reumática, outros doenças passam a estar presentes, além das alterações fisiológicas do processo natural de envelhecimento.

E onde você quer chegar com isso? Você certamente já deve ter se deparado com algum pacientes (de mais idade), com EMi reumática importante (por área valvar < 1,5 cm²), contudo com gradiente médio transvalvar < 10 mmHg (ou seja, com parâmetros discordantes!). Este cenário, à semelhança do que acontece na valvopatia aórtica, é chamado de EMi baixo gradiente. E as alterações hemodinâmicas que surgem com o passar dos anos, bem como a presença de comorbidades, podem ser a chave para explicar este padrão discordante.

Vamos lá! Uma das variáveis utilizadas na graduação da estenose valvar é a quantificação do gradiente médio transvalvar durante a diástole (no caso da EMi). Porém, este é um parâmetro extremamente lábil, que sofre forte influência da pré-carga, frequência cardíaca (FC) e complacência do VE.

Um estudo com 101 pacientes portadores de EMi reumática importante e que foram submetidos à valvoplastia percutânea observou a presença do padrão “baixo gradiente” (área valvar < 1,5 cm² + Gmed < 10 mmHg) em 54% dos pacientes, incluindo 11 pacientes com padrão “baixo fluxo e baixo gradiente” (área valvar < 1,5 cm² + Gmed < 10 mmHg + stroke volume indexado < ou igual a 35 ml/m²).

Quando comparados com pacientes com EMi importante e Gmed > 10 mmHg, pacientes com baixo gradiente eram mais velhos (P = 0.0001), com média de idade de 73 anos comparada com a média de 58 anos de outras séries epidemiológicas, e apresentam maior prevalência de fibrilação atrial (P = 0.0008). Ainda, esses pacientes tinham maior uso de betabloqueadores e, portanto, frequência cardíaca menor (P < 0.0001).

Aqueles pacientes com “baixo fluxo e baixo gradiente” tiveram como características uma maior pós carga, resultando numa impedância ventrículo-arterial elevada. Também foi visto uma redução da complacência ventricular esquerda e importante acometimento subvalvar.

Apesar da presença de uma fração de ejeção do VE menor nesses pacientes, isso não se refletiu na diminuição da contratilidade intrínseca, mas sim correlacionou-se com às condições de enchimento ventricular (gerando redução do stroke volume e do gradiente médio). Seria, então, uma estenose pseudosevera ???

El Sabbagh et al, ow-Flow, Low-Gradient Severe Mitral Stenosis, Journal of the American Heart Association

Os pacientes “baixo gradiente” apresentaram área valvar maior e pressão do AE menor comparados com o grupo “baixo fluxo e baixo gradiente”, com desfechos mais favoráveis.

El Sabbagh et al, ow-Flow, Low-Gradient Severe Mitral Stenosis, Journal of the American Heart Association

Neste estudo, os pacientes com baixo gradiente tiveram pior resposta, em relação à melhora de sintomas, durante o seguimento pós valvoplastia percutânea. Isso corrobora a hipótese de que os sintomas presentes nestes pacientes sejam, em parte, resultantes da disfunção valvar propriamente dita, mas sobretudo pela rigidez arterial (pós carga) e pelo desacoplamento do VE diante da elevada impedância ventrículo-arterial.

A fibrilação atrial (FA), por sua vez, contribui para este cenário ao diminuir o tempo de diástole, levando a uma redução aproximada de 25% do débito cardíaco.

Após a realização da valvoplastia, 40% dos pacientes com baixo gradiente não apresentaram melhora sintomática significativa. Já no grupo com gradiente > 10 mmHg, apenas 18% não apresentaram benefício em relação à melhora de sintomas.

Isso gera um questionamento: a presença de sintomas nestes pacientes com EMi importante e gradiente < 10 mmHg é em razão da disfunção valvar ou pela presença das alterações descritas (ou seja, insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada)?

O portal The Valve Club traz as seguintes observações:

  • Talvez um ecocardiograma de esforço seja indicado nos casos de estenose mitral com baixo gradiente a fim de observar se há elevação dos gradientes diastólicos pela valva, o que poderia indicar que a valvoplastia irá trazer benefícios;
  • Talvez o método ecocardiográfico atual, que se baseia na área valvar funcional, não seja o melhor método para estratificar esse tipo de paciente, visto que há clara influência de diversos outros fatores como impedância ventrículo-arterial, complacência de ventrículo esquerdo, presença de fibrilação atrial, etc;
  • Podemos estar diante de um novo subtipo de estenose mitral, a pseudo-estenose mitral grave, que deveria ter tratamento diferente do que fazemos hoje tradicionalmente.

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felippi lenzi

Nesse caso de baixo débito, a estimativa da área valvar, qual seria a melhor? PHT ou relação da continuidade (utilizando VTI VSVE)? e o indice doppler nesse caso vale a pena fazer ?

Luccas

Muito interessante!
Qual a referência do estudo citado da estenose de “baixo gradiente”?

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