Estenose Aórtica e Lipoproteína A: um marcador de progressão de disfunção valvar ?

Na postagem sobre como quantificar o grau de calcificação da valva aórtica aqui no blog (CLIQUE AQUI!) foi citado como esta condição compartilha aspectos histopatológicos muito semelhantes aos encontrados no processo de aterosclerose sistêmica.

Como sabemos, a etiologia degenerativa (calcífica) é responsável por um número significativo de casos de estenose aórtica (EAo), condição esta associada à grande alta morbimortalidade, sobretudo na população idosa.

Da mesma forma, medicações que ajudem a diminuir a progressão desta disfunção valvar não são conhecidas até então. Assim, entender quais são os principais fatores de risco na gênese da EAo é deveras importante, no sentido de que, ao combatê-los, possamos tentar, de forma indireta, impactar na evolução da doença, diminuindo desfechos clínicos desfavoráveis.

Como já documentado em estudos prévio, a Lipoproteína A (LpA) está associada ao surgimento de calcificação valvar aórtica e no desenvolvimento de EAo. Seria, então, a LpA um marcador alvo de terapia clínica no contexto de estenose aórtica?

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Um estudo avaliou os níveis de LpA de 220 pacientes portadores de EAo leve a moderada, com o objetivo de avaliar a taxa de progressão da disfunção valvar, medida pelo aumento anual da velocidade de pico do fluxo aórtico (m/s/ano) através da ecocardiografia. O desfecho secundário do estudo foi a necessidade de troca valvar aórtica e morte por causa cardíaca durante o seguimento de 3.5±1.2 anos.

A análise partiu do estudo ASTRONOMER (Aortic Stenosis Progression Observation: Measuring Effects of Rosuvastatin), que incluiu pacientes com idades entre 18 e 82 anos e com EAo leve a moderada no início do seguimento (velocidade de pico de fluxo aórtico entre 2.5 e 4.0 m/s). Os critérios de exclusão foram (1) EAo importante ou sintomática, (2) insuficiência aórtica significativa, (3) doença valvar mitral significativa, (4) doença arterial coronariana sintomática, (5) insuficiência cardíaca, (6) diabetes e (7) tratamento para redução de LDL.

A tabela 1 resume as características clínicas, laboratoriais e ecocardiográfica dos pacientes de acordo os tercis de níveis plasmáticos de LpA, sendo o superior > 58.5 mg/dl e os intermediário e inferior ≤ 58.5 mg/dl.

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

De forma geral, os nível médio de LpA foi de 29.8 mg/dl (12.1 – 76.1 mg/dl). 81 pacientes (37%) apresentam níveis de LpA > 50 mg/dl. Os pacientes com maiores níveis de LpA (tercil superior) apresentavam as mesmas características clínicas quando comparados com os pacientes que apresentavam menores níveis de LpA.

Pacientes do tercil superior apresentaram maiores graus de calcificação da valva aórtica.

Durante o seguimento médio de 3.5 ± 1.2 anos, os pacientes do tercil superior de LpA apresentaram progressão da disfunção valvar de forma mais rápida comparados com os outros pacientes dos tercis intermediário e inferior (LpA: +0.26 ± 0.26 m/s/ano x +0.17 ± 0.21 m/s/ano; p = 0.005) – figura A.

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Pacientes do tercil intermediário apresentaram taxa de progressão similar aos dos tercil inferior (LpA: +0.17 ± 0.21 m/s/ano x +0.17 ± 0.21 m/s/ano; p = 0.98).

Após análise multivariada ajustada pela idade, sexo, hipertensão arterial, histórico de tabagismo, síndrome metabólica, pressão arterial sistólica, uso de estatina, LDL-c, apoB, creatinina, fenótico bicúspide de valva aórtica, grau de calcificação aórtica, velocidade de pico de fluxo aórtico no início do seguimento e impedância valvuloarterial, o tercil superior (coeficiente beta: 0.21 ± 0.04; p = 0.01) permaneceu como preditor independente de taxa de progressão mais rápida avaliada pela velocidade de pico do fluxo valvar aórtico.

Os pacientes do tercil superior, portanto, tiveram maior risco de progressão mais rápida da disfunção valvar, com taxa de progressão anual ≥ 0.20 m/s da velocidade de pico (OR: 2.1; 95% IC: 1.2 – 3.8; p = 0.009).

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Entre pacientes com idade ≤ 57 anos (idade média dos participantes) a progressão da estenose aórtica foi 2 vezes mais rápida naqueles com níveis mais elevados de LpA comparando com os tercis intermediário e inferior (+0.26 ± 0.32 m/s/ano x +0.13 ± 0.17 m/s/ano; p = 0.02).

Contudo, nos pacientes com idade superior a 57 anos, não houve diferença na taxa de progressão relacionada aos níveis de LpA.

Mesmo quando o ajuste multivariável não considerou idade e histórico de tabagismo, níveis mais elevados de LpA continuaram como preditor independente de progressão da doença (coeficiente beta: 0.35 ± 0.06; p = 0003) nos pacientes com ≤ 57 anos. Neste mesmo grupo de pacientes, a progressão de diminuição da área valvar aórtica foi similar à taxa de progressão relacionada ao aumento da velocidade de pico do fluxo transvalvar.

Durante o seguimento, o desfecho secundário troca valvar ocorreu em 47 pacientes e o morte por causa cardíaca, em 2 pacientes. Após ajuste pela idade, sexo e grau de disfunção valvar aórtica no início do seguimento, os pacientes do tercil superior (HR: 2.0; 95% IC: 1.1-3.7; p = 0.02) tiveram uma taxa maior de eventos clínicos. A mesma associação foi discretamente maior no grupo de pacientes com idade ≤ 57 anos.

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Não houve impacto em relação ao uso de terapia com rosuvastatina. Inclusive com aumento significativo dos níveis de LpA no grupo que usou estatina comparando com o grupo placebo (+20%,; p < 0.05).

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Este estudo, portanto, demonstra de forma clara que níveis elevados de LpA se associam, de forma independente, com a taxa de progressão da EAo, inclusive se traduzindo com maior necessidade de troca valvar.

Capoulade, R. et al. J Am Coll Cardiol. 2015; 66(11):1236–46.

Agora resta saber se, quando utilizado terapias alvo para a redução dos níveis de LpA haverá também redução na taxa de progressão da disfunção valvar em pacientes com EAo.

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