Frequentemente nos deparamos com um paciente apresentando doença em mais de uma valva nativa, ou com a coexistência de estenose e insuficiência em uma mesma valva. Tais condições são classificadas como doença valvar múltipla.
Enquanto que a etiologia degenerativa é a principal causa em países desenvolvidos, a doença cardíaca reumática ainda é uma condição muito prevalente nos países subdesenvolvidos. Causas menos frequentes podem incluir regurgitação de valvas atrioventriculares secundária à cardiomiopatias, bem como sequela tardia de radioterapia.
Em razão de uma complexa interação hemodinâmica no cenário de múltiplas valvopatias, uma abordagem multimodalidade é mandatória. A ecocardiografia continua sendo o principal método de avaliação para determinar os mecanismos associados, definir a gravidade, avaliar os danos extra valvares e determinar o prognóstico desses pacientes.
Contudo, a interdependência hemodinâmica entre as diversas alterações valvares afeta diretamente as condições de enchimento e de fluxo, fazendo com que haja limitação de diversos parâmetros diagnósticos amplamente validados para graduar uma disfunção valvar única.
A equação de continuidade, por exemplo, pode ser afetada quando os fluxos transvalvares não são iguais. Os métodos derivados do PHT não são acurados se o enchimento ventricular estiver alterado. Nesse contexto, a ecocardiografia transesofágica pode fornecer informações cruciais tanto anatômicas quanto relacionadas aos mecanismos das disfunções valvares.

DOENÇA VALVAR AÓRTICA MISTA:
A gravidade da disfunção valvar aórtica mista é frequentemente subestimada e os pacientes com estenose e insuficiência aórtica moderadas balanceada apresentam taxas mais elevadas de eventos adversos quando comparados com pacientes portadores de estenose aórtica importante isolada.
Os gradientes transvalvares medidos pelo Doppler refletem o estado hemodinâmico geral, gerado tanto pela estenose quanto pela insuficiência valvar e, portanto, se associam fortemente com desfechos adversos. Desta forma, a presença de elevados gradientes pressóricos justifica uma intervenção valvar em pacientes com doença valvar aórtica mista moderada, mesmo se a regurgitação for graduada como moderada e se a área valvar, calculada ou pela planimetria, for > 1 cm².

Aqueles pacientes com doença valvar aórtica mista, porém com gradientes abaixo dos parâmetros indicativos de intervenção devem ser submetidos a uma avaliação multimodalidade para definir uma estratégia terapêutica individual.
O strain global longitudinal e a dosagem do NT pro-BNP podem conferir valor prognóstico adicional além da presença de sintomas neste contexto.
DOENÇA VALVAR MITRAL MISTA:
Contexto frequentemente observado em pacientes portadores de cardiopatia reumática ou naqueles com calcificação do anel mitral (MAC). Se uma área valvar mitral ≤ 1.5 cm², as recomendações para a estenose mitral isolada podem ser aplicadas.
Contudo, pacientes com área valvar mitral > 1.5 cm² e regurgitação mitral moderada podem ser avaliados para uma eventual troca valvar baseando-se na presença de sintomas, características anatômicas, gradiente transmitral e sinais de danos cardíacos extra valvares, como dilatação do átrio esquerdo, fibrilação atrial ou hipertensão pulmonar.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.