ESC 2021 – Diretriz de Valvopatias: regurgitação aórtica

Acabou de sair do forno a nova Diretriz de Valvopatias da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) 2021 e vamos trazer, aos poucos, breves resumos separados por tópicos. Vamos começar com regurgitação aórtica.

A regurgitação aórtica pode ser causada por doenças primárias da valva aórtica ou por anormalidades da raiz da aorta e da aorta ascendente. A etiologia degenerativa, seja a valva trivalvular ou bivalvular, é a mais comum, chegando a aproximadamente 2/3 dos casos em países desenvolvidos.

O ecocardiograma é um exame chave nesse contexto e deve ser utilizado para descrever a anatomia valvar, quantificar a regurgitação, avaliar o seu mecanismo, definir a morfologia da aorta e ajuda na programação cirúrgica, quando indicada.

A identificação do mecanismo se dá à maneira do que ocorre na insuficiência mitral:

  • Tipo I – cúspides normais, porém com coaptação insuficiência e com jato regurgitante central;
  • Tipo II – Prolapso das cúspides com jato regurgitante excêntrico;
  • Tipo III – restrição do folhetos com jato regurgitante largo central ou excêntrico;

Para a quantificação da regurgitação, são utilizados parâmetros qualitativos, semi quantitativos e quantitativos:

ESC, 2021

Novos parâmetros obtidos através do ecocardiograma 3D e através do Strain Global Longitudinal do VE podem ser úteis, particularmente naqueles pacientes com fração de ejeção do VE bordeline, para ajudar na indicação cirúrgica.

Já as medidas da raiz da aorta e da aorta ascendente devem ser realizadas nos 4 segmentos: ânulo valvar, seio de valsalva, junção sinotubular e aorta ascendente. Estas devem ser realizadas na janela paraesternal longitudinal, utilizando a medida “leading edge to leading edge” no final da diástole, exceção feita ao anel valvar, cuja medida é realizada na mesossístole e de da forma “inner edge to inner edge”.

A diretriz define três fenótipos diferentes de alteração da aorta ascendente:

  • Aneurisma de raiz de aorta: seio de valsalva > 45 mm.
  • Aneurisma tubular ascendente: seio de valsalva 40-45 mm.
  • Regurgitação aórtica isolada: todos os diâmetros aórticos < 40 mm.

A medida indexada para a superfície corpórea foi sugerida, sobretudo para pacientes de baixa estatura.

INDICAÇÕES DE INTERVENÇÃO:

  • Insuficiência aórtica (IAo) aguda pode requerer cirurgia em caráter de urgência e são causadas principalmente por endocardite infecciosa e dissecção aguda de aorta, mas podem ocorrer menos comumente por traumas torácicos e de forma iatrogênica como complicação de intervenções percutâneas.
  • Em pacientes sintomáticos, a cirurgia está recomendada independente da fração de ejeção do VE desde que a IAo seja importante e o risco cirúrgico não seja proibitivo.
  • Em pacientes que serão submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), cirurgia valvar outra ou cirurgia de aorta ascendente, a troca valvar está indicada independente da presença de sintomas.

Até aqui, não parece haver nenhuma dificuldade na indicação de intervir nesses pacientes. O maior dilema sempre acontece nos pacientes com IAo grave assintomática.

Nesses pacientes, na presença de IAo importante, há indicação de intervenção quando:

  • Fração de ejeção do VE < ou igual a 50%;
  • Diâmetro sistólico final > 50 mm;

O diâmetro sistólico final do VE deve ser indexado para a superfície corpórea, sendo o ponto de corte 25 mm/m2, principalmente nos pacientes com superfície corpórea < 1.68 m2. Alguns estudos recentes, contudo, propuseram um valor de corte diferente ( valor indexado entre 20-22 mm/m2), além de um valor de 55% da fração de ejeção para indicação de intervenção. Em pacientes de baixo risco cirúrgico, estes valores devem ser considerados durante a decisão (sempre tomada através de heart team).

Para os pacientes com IAo grave e que não apresentam estes parâmetros, um seguimento clínico e ecocardiográfico deve ser realizado e testes de esforço devem ser considerados para identificar pacientes borderlines. Aumento progressivo do diâmetro cavitário do VE ou declínio da fração de ejeção em pacientes assintomáticos e que não apresentam os parâmetros citados, devem ser considerados como cirúrgicos, sobretudo se o diâmetro diastólico final do VE for > 65 mm.

Já nos pacientes com dilatação da aorta, seguem as indicações:

  • Diâmetro aórtico > ou igual a 55 mm (se valva aórtica trivalvular);
  • Diâmetro aórtico > ou igual a 50 mm (se valva aórtica bivalvular) se presença de fator de risco * ou coarctação presente;
  • Diâmetro aórtico > ou igual a 50 mm em pacientes com síndrome de Marfan;
  • Diâmetro aórtico > ou igual a 45 mm em pacientes com síndrome de Marfan ou mutação TGFBR 1 ou TGFBR2 (incluindo síndrome de Loyes-Dietz) de alto risco *;

* Fatores de risco: história familiar de dissecção de aorta ou história pessoal de dissecção vascular espontânea, regurgitação mitral ou aórtica severas, desejo de engravidar, hipertensão arterial não controlada e aumento do diâmetro aórtico > 3 mm/ano.

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

  • Inibidores da enzima conversora de angiotensia (IECA) ou diidropiridinico podem ser utilizados com objetivo de melhora sintomática naqueles em que a cirurgia não é factível; não são indicados na tentativa de retardar indicação cirúrgica.
  • Em pacientes submetidos a cirurgia e que continuam com disfunção ventricular ou hipertensão arterial, IECA, BRAs e betabloqueadores são úteis.
  • Nos pacientes com síndrome de Marfan, os betabloqueadores persistem como medicação de escolha.

SEGUIMENTO:

  • Em pacientes assintomáticos com IAo severa e função ventricular esquerda preservada, o ecocardiograma deve ser feito pelo menos anualmente;
  • Nos pacientes com diagnóstico recente ou com alteração da fração de ejeção/ diâmetro cavitário, o ecocardiograma deve ser feito a cada 3/6 meses.
  • Seguimento com BNP tem se mostrado um bom preditor de desfechos e pode ser útil no acompanhamento dos pacientes assintomáticos.
  • Pacientes com IAo moderada a importante podem ser avaliados com ecocardiograma a cada 2 anos;
  • Pacientes com aorta ascendente > 40 mm devem ser submetidos a estudo com angiotomografia para melhor definição anatômica.

SITUAÇÕES ESPECÍFICAS:

  • IAo com indicação cirúrgica associada a IMi importante (primária ou secundária) devem ser tratadas no mesmo tempo cirúrgico;
  • Pacientes com IAo moderada e que serão submetidos a CRM ou troca valvar mitral, a decisão pela troca valvar aórtica é controversa tendo em vista a lenta progressão da IAo para graus severos naqueles pacientes sem dilatação da aorta.

PRÁTICA ESPORTIVA / ATIVIDADE FÍSICA:

  • A intensidade de atividade física na presença de dilatação da aorta deve ser individualizada de acordo com o julgamento clínico;
  • Apesar de baixa evidência, exercícios resistidos (isométricos) devem ser cuidadosamente avaliados, sobretudo naqueles com doença do tecido conjuntivo.

Lembrando que já teve publicação aqui no blog sobre insuficiência aórtica. Então se teve dúvida em relação a como graduar esta patologia, é só clicar aqui para revisar o assunto.

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Djair Brindeiro Filho

Ótima abordagem da IAo, Caio. Parabéns! Não concordo com essa afirmativa da Diretriz: “Pacientes com IAo moderada a importante podem ser avaliados com ecocardiograma a cada 2 anos”. Os dados clínicos em conjunto com os do EcoDoppler são capazes de diferenciar uma condição da outra. Ou de grau moderado ou de grau importante. Forte Abraço.

[…] passada, começamos uma breve revisão sobre a nova diretriz de valvopatias, publicada agora no ESC 2021, com o tópico de regurgitação aórtica. Dando continuidade, vamos […]

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