A endocardite de Loeffler, também conhecida como endocardite fibroplástica parietal, ocorre por infiltração de eosinófilos no endocárdio, sendo a manifestação cardíaca da síndrome hipereosinofílica.
É tida como uma condição sistêmica rara, de etiologia variada e com curso clínico dependente do estágio da doença, variando de quadros assintomáticos à insuficiência cardíaca avançada.
Situações de hipersensibilidade, doenças reumatológicas, desordens mieloproliferativas, neoplasias e síndrome hipereosinofílica idiopática estão entre as possíveis etiologias da endocardite de Loeffler.
Caracterizada pela produção sustentada de eosinófilos, levando a infiltração de órgãos ou lesões diretas por toxinas provenientes pela degranulação eosinofílica. O acometimento cardíaco ocorre em até 50% dos casos e se associa a uma alta taxa de morbimortalidade.
O diagnóstico desta síndrome baseia-se em três critérios fundamentais: (1) eosinófilos > 1.500 cel/mL por pelo menos 6 meses, (2) sem causa definida (leucemia eosinofílica, doenças alérgicas, uso de medicamentos, sarcoidose, doenças do tecido conjuntivo, doenças parasitárias, por exemplo) e (3) sinais ou sintomas de infiltração eosinofílica em algum órgão/sistema.
Contudo, é importante ressaltar que é possível que esta doença possa se manifestar de forma isolada e localizada, sem que haja hipereosinofilia periférica!!!
O envolvimento cardíaco ocorre em 03 fases:
- Primeira fase: infiltração eosinofílica seguida de necrose;
- Segunda fase: trombose intracavitária justaposta à lesão;
- Terceira fase: fibrose difusa, podendo acometer aparato subvalvar.
O dano cardíaco pode ser variável e envolver diferentes câmaras cardíacas. Shaper et al., elaborou uma classificação de envolvimento fibrótico a partir de um estudo com 172 indivíduos diagnosticados e com estudo de necrópsia, com 5 diferentes formas de apresentação:
Apesar de não haver achados ecocardiográficos patognomônicos, existem algumas alterações atriais, ventriculares e valvares que podem ser sugestivas da endocardite de Loeffler.
Espessamento endomiocárdico associado a presença de trombo mural na região correlacionada (mais comumente a região apical de ambos os ventrículos) representa o achado mais sugestivo da doença.
Aumento atrial, acometimento valvar e disfunção diastólica, com padrão típico de cardiomiopatia restritiva nos estágios mais avançados, são achados também frequentes.
Como as técnicas de ultrassom não são as mais adequadas para detectar alterações teciduais relacionadas à necrose subdendocárdica, a ecocardiografia bidimensional normalmente tem papel limitado para avaliar redução da função miocárdica durante a primeira fase, necrótica, da endocardite de Loeffler.
Neste contexto, o strain do ventrículo esquerdo pode trazer informações importantes. Yamamoto et al., em coorte com 32 pacientes com síndrome hipereosinofílica estável e sem aparente acometimento cardíaco, demonstrou strain global longitudinal (SGL) do VE significativamente reduzido em relação a indivíduos saudáveis pareados por idade, sexo e fração de ejeção (–16.2% +- 3.3% vs –19.3% +- 2.9 %, P < .001).
Redução dos valores da fase de reservatório do strain do átrio esquerdo também já foi documentado na literatura.
Já na segunda fase, o dano endomiocárdico é substituído por espessamento parietal com granulações e ativação dos fatores pró-coagulantes, levando a formação de trombos. O espessamento endomiocárdico pode ser observado em 68% dos casos em pacientes não tratados de forma adequada.
Normalmente, há formação de trombo (mais comumente na região apical) com ausência de alteração da contratilidade segmentar.
O fenômeno trombótico, por sua vez, pode se estender do ápice até a região subvalvar e até mesmo via de entrada das valvas atrioventriculares, resultando em diminuição da cavidade ventricular e, em alguns casos, obliteração fibrótica completa de um ou ambos os ventrículos.
Vale destacar que a presença de pequenos trombos apicais nas fases inicias da doença pode ser de difícil avaliação e, com certa frequência, pode confundir o examinador, levando ao diagnóstico errado de cardiomiopatia hipertrófica apical (!!!). Nestes casos, o uso de agentes de contraste pode ser fundamental.
Vegetações, resultantes da combinação entre trombo organizado, eosinófilos e fibrose, podem ser observadas. O acometimento parte da parede miocárdica e envolve estruturas adjacentes.
A terceira fase da doença, estágio em que há substituição do tecido de granulação por fibrose hialina, é marcada pela presença de acometimento fibrótico do endocárdio e do miocárdio adjacente.
Caracteriza-se como uma área de maior densidade ecogênica, sendo melhor visualizada com o direcionamento do foco para a região apical.
Achados indiretos na ecocardiografia bidimensional de fibrose miocárdica incluem um aumento simétrico da espessura e da massa da parede ventricular esquerda, aumento das pressões de enchimento e aumento do átrio esquerdo. Nos estágios mais avançados, há diminuição da complacência ventricular e desenvolvimento de padrão tipicamente restritivo.
O acometimento valvar habitualmente ocorre nas valvas mitral e tricúspide, sendo a regurgitação valvar a disfunção mais comum e resulta da presença de trombose e/ou fibrose do aparato subvalvar. Um aumento anormal da espessura endomiocárdica da parede posterolateral do ventrículo esquerdo em associação com presença de trombo ou fibrose pode envolver cordoalhas tendíneas, levando a tethering da valva mitral (folheto posterior).
Derrame pericárdico também pode estar presente em até 10-32% dos casos.
Existe um escore diagnóstico proposto para endocardite de Loeffler, em que a presença de dois critérios maiores ou um critério maior associado a dois critérios menores definiriam o diagnóstico desta doença.
Além disso, uma pontuação < 8 classificaria a doença como fibrose endomiocárdica leve, entre 8-15 pontos como moderada e > 15, fibrose severa.
É importante destacar que, mesmo que a ecocardiografia seja uma ferramenta diagnóstica importante, a avaliação multimodalidade de imagens é fundamental para o correto diagnóstico desta doença.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.