Habitualmente, lesões cardíacas por traumas torácicos fechados são vistas no contexto de acidentes automobilísticos. A forma mais comum é a lesão do ventrículo direito, dada a sua posição anatômica mais anterior, resultando em disfunção transitória desta cavidade.
Contudo, não apenas o ventrículo direito (VD) pode sofrer danos e é isso que vamos mostrar no caso a seguir…
Mulher, 19 anos de idade, previamente hígida, admitida no pronto socorro após acidente automobilístico de alta velocidade e alto impacto. A paciente não fazia uso do cinto de segurança e foi arremessada para fora do veículo após a colisão, sendo socorrida desacordada, a aproximadamente 40 metros de distância, com traumas no crânio, tórax e extremidades superiores, além de bradicardia e hipotensão (iniciado adrenalina e realizado intubação orotraqueal em ambiente pré hospitalar).
Tomografia computadorizada (TC) demonstrou lesão cerebral traumática severa, com sangramento intraparenquimatoso associado a desvio de linha média e herniação uncal. Ainda, fraturas de arcos costais e contusão pulmonar na avalição dos traumas torácicos.
Após admissão na UTI, a paciente evoluiu bloqueio atrioventricular total que, inicialmente, foi atribuído à lesão neurológica e disfunção autonômica.
O ecocardiograma à beira do leito mostrou ruptura do septo inteventricular na junção dos septos membranoso e muscular, abaixo da raiz da aorta, medindo aproximadamente 12 mm. Uma fina banda tecidual (*), consistente com endocárdio do ventrículo direito, foi observada superior e paralelamente à raiz aórtica.
Ao estudo com o Doppler, observou-se um shunt esquerda-direito significativo no plano do defeito, com velocidade de pico de 3.8 m/s e gradiente máximo de 50 mmHg.
O eixo curto paraesternal, mostrou o defeito na região anterior através do septo membranoso, com extensão para a via de saída do VD, aproximadamente 1 cm abaixo da valva pulmonar.
O VD estava levemente aumentado com disfunção sistólica de grau leve e hipocinesia médio e basal da parede livre. PSAP estimada em 31 mmHg. O ventrículo esquerdo (VE) apresentava diâmetros normais, com fração de ejeção de 65-70%, hiperdinâmico e a valva aórtica estava estruturalmente e funcionalmente normal.
Dada a gravidade das lesões traumáticas não cardíacas, a paciente foi à óbito.
As lesões cardíacas após traumas torácicos fechados são mais comumente observadas em acidentes automobilísticos (20-78%), contudo podem ocorrer em diferentes contextos, como durante prática de atividade física.
Uma lesão isolada do septo interventricular, por sua vez, é considerada uma sequela rara de trauma torácico fechado, sendo o segmento apical do septo muscular a região mais comumente acometida.
O defeito do septo interventricular pode ser ocasionado imediatamente após o trauma ou dias depois. O mecanismo proposto para a origem deste tipo de lesão é a compressão mecânica do coração pela coluna vertebral e o esterno no momento da desaceleração abrupta.
Já quando a ruptura ocorre dias depois do trauma, acredita-se que seja resultante da injúria microvascular causada pela contusão miocárdica, levando à necrose e consequente perfuração/ruptura do septo.
O tratamento vai depender de fatores como o tamanho da lesão, sua repercussão hemodinâmica (Qp/Qs > 2.0) e presença de insuficiência cardíaca. Quando pequenos, os defeitos podem ser abordados por via percutânea, com implante de dispositivo oclusor (ou até mesmo manejados de forma conservadora, com possibilidade de fechamento espontâneo). Já as lesões maiores, são tratadas cirurgicamente.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.