Doenças da tireóide sabidamente podem causar diferentes graus de alterações cardíacas estruturais e funcionais. Tanto a hipofunção quanto o hipertireoidismo podem interferir na (1) contratilidade cardíaca, (2) consumo miocárdico de oxigênio, (3) débito cardíaco, (4) pressão arterial e (5) resistência vascular sistêmica.
Os efeitos do hormônio tireoidiano no coração envolvem uma série de alterações genômicas e não genômicas, tanto na fase intrauterina (implicando em danos no desenvolvimento do coração fetal para o coração adulto), quanto na idade adulta.
Na fase adulta, o T3 (triiodotironina) tem ação moduladora nas propriedades inotrópicas e lusotrópicas do miocárdio, interferindo de forma direta na contratilidade. Ele, através do mecanismo de “up-regulation” aumenta a transcrição de diversas proteínas estruturais e funcionais do coração (alfa-miosina de cadeia pesada, receptores beta-1 adrenérgicos, Na/K ATPase, canais de potássio voltagem dependentes, peptídeos natriuréticos cerebral e atrial) e, pelo mecanismo de “down-regulation”, interfere em genes de proteínas como beta-miosina de cadeia pesada, TRa1, adenil-ciclase tipo 5 e 6;
Os efeitos não genômicos se relacionam com alterações no transporte de íons, glicose e de aminoácidos.
No caso do hipotireoidismo, as manifestações cardíacas podem ser de diferentes formas, como bradicardia, redução da contratilidade miocárdica, alteração nas pressões de enchimento, aumento da resistência vascular sistêmica, disfunção endotelial e hipertensão arterial sistêmica.
Apesar de incomum, o hipotireoidismo pode cursar com miocardiopatia dilatada e disfunção ventricular importante. Tanto é que a diretriz da ESC menciona o hipotireoidismo como causa precipitante de insuficiência cardíaca aguda.
Vamos, então, ver um exemplo de como pode ser essa apresentação!
Mulher, 66 anos, com diagnóstico prévio de hipotireoidismo, admitida no pronto socorro com quadro de insuficiência cardíaca aguda. Exames laboratoriais com TSH muito elevado.
Sem fatores de risco cardiovascular, a paciente realizou ecocardiograma que demonstrou hipocinesia difusa do ventrículo esquerdo, função sistólica reduzida de grau importante e associado a presença de trombo intracavitário apical.
Foi iniciada terapia para insuficiência cardíaca, ajustado dose de levotiroxina, além de terapia anticoagulante.
Após duas semanas de evolução, novo ecocardiograma mostrou melhora da função ventricular esquerda, porém com persistência do trombo em região apical. Houve melhora clínica significativa após regulação hormonal.
Durante o seguimento, a paciente evoluiu com melhora progressiva da função ventricular esquerda com resolução parcial do trombo, confirmado após uso de contraste ecocardiográfico.
O grande marco da miocardiopatia dilatada secundária ao hipotireoidismo é o seu caráter reversível, ao longo de meses, após ajuste hormonal.
Aqui observamos o painel evolutivo de uma paciente jovem, de 33 anos, sem fatores de risco cardiovascular, admitida no pronto socorro com síndrome edemigênica e sinais de insuficiência cardíaca aguda. Após todo rastreio, foram observados TSH > 300 e T4L suprimido. Iniciada terapia de reposição hormonal, com franca melhora sintomática e evolução favorável dos parâmetros ecocardiográficos ao longo de 5 meses.
Mais um outro caso de cardiomiopatia dilatada por hipotireoidismo, com padrão evolutivo favorável (embora não se tenha alcançado um remodelamento reverso “pleno”) após 01 ano de seguimento.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.