Cardiopatias Congênitas Não Complexas no Adulto: uma abordagem direcionada – parte I

Quem me conhece sabe que congênita definitivamente não é minha área. Além do pouco conhecimento técnico, nós da ECOPE contamos com o apoio de uma equipe fantástica liderada pela brilhante Dra. Mariana Carvalho (a quem nutro uma admiração gigantesca), motivos pelos quais minha prática nessa área da ecocardiografia é praticamente nula!

Equipe ECOPE – Ecocardiografia Pediátrica

Acontece que, cada vez mais, é comum nos depararmos com adultos portadores de cardiopatias congênitas que, graças aos avanços da medicina, conseguem ter uma expectativa de vida maior, com qualidade e muitas vezes sem limitações.

Portanto, trago aqui um artigo de revisão cujo objetivo é focar numa abordagem direcionada para que possamos, ao realizar o exame ecocardiográfico desses pacientes, fornecer informações cruciais para um entendimento adequado, seja anatômico, funcional ou hemodinâmico de patologias congênitas não complexas.

Galzerano D, Pergola V, Eltayeb A, Ludovica F, Arbili L, Tashkandi L, et al. Echocardiography in simple congenital heart diseases: Guiding adult patient management. J Cardiovasc Echography 2023;33:171-82

#ESTENOSE AÓRTICA CONGÊNITA: esta condição pode derivar de uma variedade de anormalidades que afetam a valva aórtica, como também a via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE).

De forma geral, as alterações congênitas da valva aórtica são as principais causas da estenose valvar nesse contexto, sejam elas unicúspide, bicúspide ou quadricúspide.

Galzerano D, Pergola V, Eltayeb A, Ludovica F, Arbili L, Tashkandi L, et al. Echocardiography in simple congenital heart diseases: Guiding adult patient management. J Cardiovasc Echography 2023;33:171-82

Neste caso, a avaliação não será muito diferente da que é feita para os casos de estenose aórtica (EAo) de etiologia não congênita. Ou seja, a avaliação da anatomia valvar, dinâmica de fluxo e os gradientes pressóricos serão os parâmetros definidores de conduta e prognóstico.

Galzerano D, Pergola V, Eltayeb A, Ludovica F, Arbili L, Tashkandi L, et al. Echocardiography in simple congenital heart diseases: Guiding adult patient management. J Cardiovasc Echography 2023;33:171-82

Vale destacar, porém, que nos casos de VAo bicúspide se faz necessária a descrição do fenótipo anatômico em questão, uma vez que essa informação tem impacto prognóstico em relação à disfunção valvar.

Os casos de VAo bicúspide em que há fusão entre os folhetos coronariano direito e esquerdo (BAV-RL) apresentam maior incidência de regurgitação aórtica. Por sua vez, o subtipo BAV-RN (fusão entre os folhetos não coronariano e coronariano direito) tem uma menor tendência de evoluir com estenose valvar.

A presença de rafe se correlaciona com um risco elevado de evolução para regurgitação aórtica, sem afetar a incidência de estenose valvar.

#COARCTAÇÃO DE AORTA: caracterizada por um estreitamento da aorta, o ecocardiograma desempenha papel importante no rastreio desta condição.

Galzerano D, Pergola V, Eltayeb A, Ludovica F, Arbili L, Tashkandi L, et al. Echocardiography in simple congenital heart diseases: Guiding adult patient management. J Cardiovasc Echography 2023;33:171-82

Normalmente, o local de acometimento mais frequente é logo após a emergência da artéria subclávia esquerda.

A constrição causada pela coarctação resulta em aumento da pressão de fluxo na região que, por consequência, eleva a resistência ao fluxo sanguíneo. Para compensar essa pós carga aumentada, o ventrículo esquerdo, através de mecanismos compensatórios, hipertrofia para gerar força contrátil suficiente para superar essa resistência.

À ecocardiografia, além da caracterização e localização da região estreitada, um gradiente de pico > 20 mmHg, através do estudo com Doppler, indica a presença de obstrução significativa.

Uma relação < 0.75 entre a velocidade de pico do fluxo antes da coarctação e do fluxo após a coarctação sugere potencial necessidade de intervenção.

Outro aspecto importante a ser avaliado é a presença de circulação colateral visível, que também é marco de obstrução significativa.

Galzerano D, Pergola V, Eltayeb A, Ludovica F, Arbili L, Tashkandi L, et al. Echocardiography in simple congenital heart diseases: Guiding adult patient management. J Cardiovasc Echography 2023;33:171-82

Mesmo nos casos em que já foi realizado a correção cirúrgica, alguns efeitos residuais podem ser detectados. Algumas séries demonstraram a persistência alteração no padrão de deformação em alguns segmentos do ventrículo esquerdo muito provavelmente em razão da redução da complacência aórtica.

Ainda, nos casos em que há hipertrofia significativa e até mesmo disfunção ventricular esquerda, pode não haver, após a correção cirúrgica, remodelamento reverso. Isso é observado de forma mais frequente entre pacientes obesos.

#PERSISTÊNCIA DE CANAL ARTERIAL: durante o desenvolvimento intrauterino, o canal arterial serve para direcionar o fluxo sanguíneo do território pulmonar (ainda não funcionante) para a circulação sistêmica.

Contudo, quando os pulmões se tornam funcionais ao nascimento, este canal se fecha.

Em alguns casos, porém, há persistência do canal arterial, causando um shunt da aorta (maior pressão) para a artéria pulmonar (menor pressão), resultando em uma sobrecarga volumétrica nos pulmões e nas cavidades cardíacas esquerdas.

Com o passar do tempo, essa sobrecarga pode levar à complicações como disfunção ventricular esquerda e hipertensão pulmonar.

A caracterização do padrão de fluxo, portanto, é um aspecto fundamental nesses pacientes, uma vez que será determinante para as estratégias de tratamento.

Habitualmente, se observa um shunt esquerda-direita, em razão da maior pressão no leito vascular sistêmico, contudo, à medida em que as complicações vão surgindo ao longo do tempo, um fluxo bidirecional ou até mesmo direita-esquerda pode ser observado.

Singh Y, Fraisse A, Erdeve O and Atasay B (2020) Echocardiographic Diagnosis and Hemodynamic Evaluation of Patent Ductus Arteriosus in Extremely Low Gestational Age Newborn (ELGAN) Infants. Front. Pediatr. 8:573627. doi: 10.3389/fped.2020.573627

De forma geral, pacientes com shunt esquerda-direita tendem a necessitar de intervenção para fechamento do canal com o objetivo de se evitar complicações futuras. Por outro lado, nos casos em que há inversão do fluxo, essa avaliação deve ser mais criteriosa para ponderar os riscos x benefícios de uma abordagem invasiva.

Na janela paraesternal eixo curto, a persistência do canal arterial se caracteriza como um fluxo diastólico reverso, quase sempre na artéria pulmonar esquerda. Já na janela supraesternal, é possível identificar o canal como uma estrutura tubular que conecta a aorta à artéria pulmonar.

Singh Y, Fraisse A, Erdeve O and Atasay B (2020) Echocardiographic Diagnosis and Hemodynamic Evaluation of Patent Ductus Arteriosus in Extremely Low Gestational Age Newborn (ELGAN) Infants. Front. Pediatr. 8:573627. doi: 10.3389/fped.2020.573627

Ao Doppler, é possível medir a largura do jato, representando o fluxo do shunt. Pequenos canais podem não necessitar de intervenção caso seja possível um acompanhamento periódico.

Singh Y, Fraisse A, Erdeve O and
Atasay B (2020) Echocardiographic
Diagnosis and Hemodynamic
Evaluation of Patent Ductus Arteriosus
in Extremely Low Gestational Age
Newborn (ELGAN) Infants.
Front. Pediatr. 8:573627.
doi: 10.3389/fped.2020.573627

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benicio de oliveira romao

Caio muito bom esse artigo tocou em um ponto que achei muito relevante a presenca de circulacao colateral e complascencia da aorta que ate pode por esse motivo diminuir o gradiente.A perguta é tem uma formula para calcular essa complascencia? Como vc sabe se ela estar aumentada ou diminuida ?

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