No Brasil, a doença reumática é a causa mais frequente de cardiopatia durante a gravidez, com incidência estimada em 50% em relação a outras doenças do coração. Admitindo-se que o surto reumático é um episódio da primeira infância e/ou da adolescência, o início da fase clínica coincide com a idade fértil da mulher.
Os riscos materno e fetal nas pacientes com doença valvar se relacionam de forma direta com o (1) tipo de lesão (estenose x insuficiência) e o (2) grau de disfunção, além da (3) função ventricular esquerda, (4) presença de hipertensão pulmonar e (5) capacidade funcional.
O acometimento mitral, seja por estenose ou insuficiência, corresponde por cerca de 63% das doenças valvares na gestação e a disfunção aórtica, 23%.
ESTENOSE MITRAL: como dito, a doença reumática é a principal valvopatia durante a gestação. Na maioria das vezes o diagnóstico é realizado durante a gravidez, uma vez que as alterações hemodinâmicas da gestação podem “desmascarar” uma doença previamente assintomática.
Na estenose mitral (EMi) leve há pouco risco de eventos adversos durante a gravidez, contudo nos quadros moderados e importantes, a taxa de eventos pode subir substancialmente.
Como na EMi o fluxo transvalvar é fixo, o aumento progressivo da pré-carga ao longo do período gestacional leva a um aumento do gradiente pressórico do átrio esquerdo (AE) para o ventrículo esquerdo (VE).
O aumento da pressão atrial esquerda, por sua vez, pode levar a edema pulmonar ou aumento da pressão pulmonar em casos mais extremos. Arritmias, como a fibrilação atrial, podem resultar do aumento crônico da pressão nesta cavidade.
A hipervolemia e o aumento da frequência cardíaca podem também aumentar de forma significativa o gradiente pressórico transmitral, levando a uma superestimação da gravidade da disfunção valvar.
O PHT, portanto, não deve ser utilizado para o cálculo da área valvar por justamente sofrer influência dessas variáveis. A recomendação é utilizar a equação de continuidade e, preferencialmente, a planimetria valvar.
Edema pulmonar ocorre em aproximadamente 60% das gestantes com EMi importante por volta da 30ª semana de gestação, quando o aumento do volume vascular encontra-se no seu pico. Dessas pacientes, em até 20% dos casos a congestão pulmonar se dá pela presença de arritmias atriais.
Nos casos extremos, a valvoplastia percutânea com balão pode ser realizada de forma segura. A avaliação da elegebilidade, através do escore de Block, deve ser realizada nessas pacientes.
INSUFICIÊNCIA MITRAL: a insuficiência mitral (IMi) é a segunda doença valvar mais comum na gestação, sendo o prolapso da valva mitral por doença mixomatosa a etiologia mais frequente em países desenvolvidos.
Apesar do aumento do volume plasmático levar a um aumento da regurgitação valvar, a resistência vascular sistêmica reduzida associada a uma pressão arterial mais baixa levam a uma diminuição do refluxo durante a gestação. Dessa forma, habitualmente esse tipo de disfunção valvar é bem tolerada durante a gravidez.
Nos casos significativos com aumento da pressão diastólica final do VE pode haver, durante a gestação, evolução para insuficiência cardíaca.
O ecocardiograma deve, além de graduar a IMi, tentar identificar a etiologia e avaliar de forma rigorosa a função ventricular esquerda.
ESTENOSE AÓRTICA: a incidência de estenose aórtica (EAo) na gestação é de 0.5-3%. A etiologia mais comum é congênita (valva aórtica bivalvular), seguida da doença reumática.
Os casos de EAo leve e moderada, com função ventricular esquerda normal, costumam ser bem tolerados na gravidez. A EAo importante, porém, se relaciona com eventos adversos, como angina, síncope e insuficiência cardíaca.
A hipervolemia, o aumento da frequência cardíaca e o aumento da pré-carga, à semelhança do que ocorre da EMi, levam a um aumento do gradiente transvalvar máximo em torno de 20-35 mmHg.
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA: da mesma forma que ocorra na IMi, a insuficiência aórtica (IAo) costuma ser bem tolerada nos casos leves e moderados. Nos casos de IAo importante, pelo aumento do volume plasmático, o volume regurgitante também se eleva e pode levar à dilatação do VE e, consequente, disfunção.
VALVAS PULMONAR E TRICÚSPIDE: já que a resistência vascular pulmonar é menor durante a gravidez, as valvopatias (estenose e insuficiência) tricúspide e pulmonar geralmente são bem toleradas durante a gestação.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.