De volta ao resumo da recente atualização da diretriz britânica sobre avaliação ecocardiográfica de atletas jovens, vamos falar sobre a cardiomiopatia arritmogênica.

A cardiomiopatia arritmogênica é causada predominantemente por variantes patogênicas de genes codificadores de proteínas desmossômicas cardíacas. A prevalência populacional é estimada em cerca de 1:2000-1:500 e se caracteriza por infiltração fibrogordurosa do miocárdio, predispondo à taquicardia ventricular, sendo portanto uma das principais causas de morte súbita relacionada a atividade física em jovens atletas.
O 2010 Modified Task Force Criteria trouxe critérios diagnósticos exclusivamente focados em parâmetros do ventrículo direito, contudo o acometimento associado do ventrículo esquerdo tem sido documentado na maioria dos casos. Por esta razão, houve uma mudança na terminologia da doença, antes denominada displasia arritmogênica do ventrículo direito, utilizando mais recentemente o termo cardiomiopatia arritmogênica com a descrição do envolvimento predominante: se ventricular direita, ventricular esquerda ou biventricular.
Quanto aos critérios ecocardiográficos, temos a dilatação da via de saída proximal do ventrículo direito (≥ 36 mm ou ≥ 21 mm/m²) ou FAC ≤ 33% em associação com alteração da contratilidade segmentar. O critério de Padua, mais recentemente proposto, inclui a análise do ventrículo esquerdo, com a função sistólica pela fração de ejeção ou strain global longitudinal, bem como a detecção de fibrose miocárdica pela ressonância magnética.
Em atletas, há um elemento adicional que deve ser avaliado, que é a desproporção do aumento do átrio direito em relação ao aumento do átrio esquerdo: índice do volume atrial indexado = volume AD indexado / volume AE indexado.

O “problema” é que frequentemente atletas saudáveis apresentam dilatação das cavidades ventriculares e, por vezes, têm parâmetros de função sistólica limítrofes ou levemente reduzidos. Nesse contexto, dependendo da modalidade esportiva, até metade dos atletas pode ter aumento da via de saída do ventrículo direito com valores que preenchem critério para cardiomiopatia arritmogênica. Ainda, a presença de onda T negativa está presente em 4% dos atletas, fazendo com que estes entrem na chamada “zona cinzenta“.
A diferenciação do padrão adaptativo da doença necessita de uma abordagem ampla. Na histórica clínica, presença de síncope, histórico familiar de cardiomiopatia ou de morte súbita prematura, presença de arritmias ventriculares complexas em testes provocativos, fibrose miocárdica detectada pela ressonância cardíaca ou alterações eletrocardiográficas não típicas de atletas devem demandar uma avaliação criteriosa.

Temos que lembrar, também, que a magnitude do remodelamento induzido pela atividade física de alta intensidade deve ser condizente com a modalidade esportiva, carga e volume de treino, idade do paciente, gênero e raça.
À ecocardiografia, este padrão de adaptação deve exibir um remodelamento simétrico e balanceado (relação VD/VE ≤ 0.9), enquanto que aumento desproporcional do ventrículo direito pode sugerir um padrão patológico.

Alteração da contratilidade segmentar não é considerada um achado indicativo de adaptação em atletas saudáveis. A utilização do strain pode auxiliar nesta avaliação ao documentar valores reduzidos da taxa de deformação segmentar e/ou global, trazendo mais objetividade para esta análise.


Disfunção ventricular direita significativa (FAC ≤ 30%, onda S´ < 10 cm/s ou strain de parede livre < 20%) devem ser considerado como indicativos de fenótipo patológico. Nos casos em que temos valores limítrofes, um teste provocativo (ecocardiograma com estresse físico) deve ser realizado.


Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.