O diabetes mellitus (DM) é uma das doenças mais prevalentes no mundo e sua relação com o sistema cardiovascular é amplamente documentada na literatura médica. Como de conhecimento, consiste em um fator de risco para insuficiência cardíaca (IC) e contribui para o aumento da mortalidade cardiovascular.
As complicações cardiovasculares, por sua vez, são a principal causa de morte nos indivíduos diabéticos. Aqui, portanto, se estabelece um ciclo vicioso e deveras danoso: doença cardiovascular ↔ DM ↔ morte.
A cardiomiopatia diabética é uma condição que se caracteriza por alterações estruturais e funcionais cardíacas, na ausência de outros fatores conhecidos para o desenvolvimento de disfunção miocárdica, como doença coronariana (DAC), hipertensão arterial (HAS) ou doenças valvares significativas.
*Aqui temos um grande complicador: raros são os pacientes diabéticos “puros”. Muitas vezes esses pacientes já chegam no consultório de cardiologia com outras comorbidades associadas, como dislipidemia, HAS e doença aterosclerótica subclínica.
Diversos são os mecanismos relacionados ao remodelamento cardíaco no DM, a citar a neuropatia autonômica cardiovascular, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, fibrose miocárdica intersticial, microangiopatia, citocinas inflamatórias e disfunção microvascular.
Por muito tempo, pensou-se que a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE) seria o estágio inicial da disfunção cardíaca induzida pela DM, seguida da queda da fração de ejeção e, posteriormente, desenvolvimento de insuficiência cardíaca.
Pensar assim nos dias atuais, porém, é negligenciar todo o progresso que os métodos de imagem em cardiologia obtiveram nos últimos anos. Seria “parar no tempo” e andar “à passos de tartaruga”. Esperar a presença de alteração estrutural na ecocardiografia bidimensional para, só a partir daí, entender que o seu paciente diabético também tem disfunção cardíaca significa atraso terapêutico e diminuição de sobrevida.
O uso das novas tecnologias em ecocardiografia deve ser empregado também nesta população com o objetivo de se obter diagnósticos em fases mais iniciais de doença e possibilitar a instituição terapêutica de forma acentuadamente precoce. Vamos entender melhor???
Estudo com 60 pacientes diabéticos (com controle glicêmico ruim), cujo critério de inclusão foi a ausência de histórico de doença cardíaca (doença cardíaca congênita, DAC, HAS, infarto do miocárdio, cardiomiopatia, doença valvar, fibrilação atrial, doença tireoideana, neoplasia, doença renal crônica, obesidade e dislipidemia) e que comparou a análise ecocardiográfica com outros 60 indivíduos (controle) saudáveis e de idade semelhante.
Todos os participantes do estudo foram submetidos à angiotomografia de artérias coronárias ou cateterismo cardíaco para confirmar a ausência de DAC. Além disso, no grupo dos pacientes diabéticos todos apresentavam fração de ejeção (FE) > 55%.
19 participantes foram excluídos em razão da baixa qualidade de imagem ecocardiográfica (n = 12), taquicardia (n = 7) ou ritmo cardíaco irregular (n = 3). Desta forma, foram avaliados 98 participantes que foram divididos em dois grupos: grupo controle (n = 50, idade média 50.38 ± 15.27, sendo 25 do sexo masculino) e grupo de pacientes com DM tipo II (n = 48, idade média 53.79 ± 11.24, sendo 25 do sexo masculino.
Os valores de pressão arterial sistólica (PAS), glicemia (fasting plasma glucose) e Hb1Ac foram significativamente maiores no grupo dos pacientes com DM tipo II (p < 0.05). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à idade, índice de massa corpórea, pressão arterial diastólica (PAD), colesterol total, triglicerídeos, HDL e LDL (p >0.05).
Os valores do diâmetro do átrio esquerdo (AE), espessura do septo interventricular e da parede posterior e relação E/e´ foram significativamente maiores no grupo dos pacientes com DM tipo II. Já a fração de ejeção do VE, onda E e onda e´ foram significativamente menores nestes pacientes quando comparados com o grupo controle (p<0.05).
Não houve diferenças nos valores do diâmetro diastólico final do VE, volume diastólico final do VE, volume sistólico final do VE e da relação E/A entre os grupos.
O valor do strain global longitudinal (SGL) do VE nos pacientes com DM tipo II foi significativamente menor que os valores encontrados no grupo controle (-19,66 ± 2.25 x -22.54 ± 1.71, p<0.001). Já em relação à análise do trabalho miocárdico, o GWW (trabalho desconstrutivo) foi significativamente maior nos pacientes diabéticos, enquanto que os valores do GWI, GCW e GWE foram menores (p < 0.001).
Portanto, além de um SGL menor, a presença do aumento do trabalho desconstrutivo (GWW) maior foi um achado relevante nos pacientes do grupo com DM. A análise ROC mostrou que tanto o GWW quanto o GWE apresentaram a mesma eficácia diagnóstica que o SGL.
Liu et al (Cardiovasc Diabetol. 2016;15:22) avaliou o valor prognóstico do SGL nos pacientes com DM tipo II e evidenciou que pacientes diabéticos sem histórico de doença cardiovascular e com SGL reduzido se associaram a eventos cardiovasculares.
O diagnóstico precoce da cardiomiopatia diabética é clinicamente relevante, pois as lesões iniciais podem ser reversíveis e uma estratégia terapêutica pode ser instituída a fim de prevenir a progressão de doenças cardiovasculares. Desta forma, a utilização de ferramentas mais sensíveis para o diagnóstico é mandatória.
Como já mostrado, diversos estudos objetivaram a avaliação precoce da função cardíaca em indivíduos com DM tipo II mostraram piores índices de deformação miocárdica nesta população.
Nesta revisão sistemática, um total de 1.774 diabéticos foram incluídos, com idade média de 57,1 anos e mediana de 55 anos, com equilíbrio em relação a sexo dos participantes (47,5% do sexo feminino).
Os achados sugerem que a disfunção sistólica subclínica detectada pelo SGL pode ser o primeiro sinal de cardiomiopatia diabética (e não a disfunção diastólica). Além disso, o strain global longitudinal foi o marcador de deformação miocárdica que mais frequentemente conseguiu demonstrar diferença entre grupos com indivíduos diabéticos e controle.
Segundo esta revisão, a incidência de disfunção ventricular subclínica variou de 40-45% na população diabética. Essas diferenças NÃO FORAM detectadas pela fração de ejeção do VE. Em análise multivariada, o SGL foi um forte preditor de eventos cardiovasculares.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.