Ecocardiografia: a história que vivi

Por José M. Del Castillo

Ao me formar médico, fui logo atraído pela cardiologia, onde iniciei meus passos acadêmicos como Assistente Concursado Ad-Honorem do Serviço de Clínica Médica do Hospital de Clínicas da Universidade Nacional de La Plata, Argentina, lá por 1971.

Interessado pela tecnologia, em 1972 fui “emprestado” para o Hospital Pediátrico, também da Universidade, dedicando-me à hemodinâmica pediátrica e fonocardiografia.

Nesse mesmo ano, participei do meu primeiro Congresso de Cardiologia, onde conheci duas pessoas claves na minha vida: o Prof. Radi Macruz e o Dr. Siguemituzo Arie, ambos do Hospital das Clínicas da USP.

Estabelecido o contato, solicitei uma vaga de aperfeiçoamento no Serviço de Hemodinâmica desse hospital, onde fui admitido como médico estrangeiro na Segunda Clínica Médica do Prof. Luiz Décourt.

O Prof. Euryclides de Jesus Zerbini, cirurgião famoso pelo primeiro transplante de coração na América Latina, me apresentou ao Serviço de Hemodinâmica do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, chefiado pelo Dr. Arie, onde dividi meu tempo entre ambos hospitais, HC e BP.

No final do primeiro ano (1973), já conseguia realizar com alguma habilidade cateterismos pediátricos e de adultos. No início de 1974, precisamente no mês de março, os chefes da Hemodinâmica da BP junto com o Prof. Macruz chegaram dos Estados Unidos com uma novidade: um ecocardiógrafo modo M da marca Smith-Kline que, de forma extraordinária e não invasiva, conseguia traçados dos movimentos das estruturas do coração. Plim! Caiu a ficha! Era isso que estava procurando!

Dessa maneira, participei do primeiro exame realizado no Brasil, uma estenose mitral reumática. O traçado foi obtido através de uma câmara Polaroid, cuja imagem guardo até hoje. O aprendizado foi árduo, auto didático, com a primeira edição do livro de Feingenbaum na mão, o apoio da Hemodinâmica, muita curiosidade e, sobretudo, imaginação.

Em julho de 1974, apresentei, no meio de outros trabalhos sobre hemodinâmica, o primeiro trabalho científico sobre ecocardiografia realizado no Brasil: “Estudo ecográfico e ecocardiográfico da válvula de Starr Edwards” no XXX Congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia, no Rio de Janeiro, quando o estado ainda se chamava Guanabara.

Acho que me colocaram como autor porque ninguém confiava muito no método. Na época, eu ainda recebia o mote de “cupincha”, o R1 de hoje. Fiquei, junto com outros colegas, realizando cateterismos de manhã e ecocardiogramas modo M de tarde.

No primeiro ano (1974), fizemos até dezembro uns 170 exames. Hoje, esse número é realizado em um dia nos grandes serviços. Acumulando experiência, trocando ideias com clínicos e cirurgiões, conseguíamos fazer cada vez mais e melhores diagnósticos, inclusive de cardiopatias congênitas.

Meu primeiro trabalho publicado foi em 1977, sobre tumores cardíacos, onde descrevi o mixoma. No final de 1979, chegou o primeiro equipamento bidimensional, também Smith-Kline, com transdutor mecânico com ângulo de varredura de 30 graus e, pouco tempo depois outro com 60 graus .

Começou a era do ecocardiograma morfológico. A seguir vieram os magníficos equipamentos da ATL, com transdutores mecânicos e, posteriormente, em 1985, com Doppler pulsátil. Permaneci realizando exames hemodinâmicos de manhã e ecos de tarde até 1983, quando decidi me dedicar à ecocardiografia.

Nesse intervalo, em 1981, passei um período em Madrid, no Serviço de Cardiologia Pediátrica do Prof. Manuel Quero Jiménez e publiquei o meu primeiro livro, em conjunto com o Dr. Egas Armelin e Orlando Melo Sobrinho, a primeira publicação em português descrevendo o eco bidimensional.

Para minha surpresa, no meu retorno, foi me oferecido o comando do Serviço de Ecocardiografia do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo, ligado ao Instituto de Moléstias Cardiovasculares E.J. Zerbini, do qual já fazia parte do Corpo Docente.

Fiquei na BP até 1988, período de enorme aprendizado e experiência, rodeado pelos grandes nomes da cardiologia brasileira. Iniciei lá minha participação nos procedimentos intervencionistas, com o acompanhamento ecocardiográfico das valvoplastias mitrais por balão.

Meu primeiro contato com o Doppler em cores foi em 1986, em Kyoto, Japão, por ocasião do Segundo Simpósio Internacional de Doppler Cardíaco. Comecei a trabalhar com o método em 1989, mas as imagens não tinham grande resolução.

Nessa mesma época, iniciei minha prática com eco de estresse farmacológico e esofágico. Para o eco de estresse era utilizada adenosina, cujo efeito é fugaz e muito intenso, sendo substituída posteriormente pelo dipiridamol e pela dobutamina.

O transdutor do eco transesofágico era monoplano, ou seja, não permitia a mudança de ângulo. Para obter os cortes eram utilizadas as catracas anteroposterior e lateral. Depois chegaram os transdutores biplanos e, finalmente, os atuais multiplanos. Em 2000 já acompanhava com eco esofágico fechamentos de CIA com oclusores.

Em 2005, comecei a me interessar pelo strain cardíaco, quando foi lançada a linha Mylab da Esaote. Não realizei strain com Doppler tissular, fui diretamente para o speckle tracking.

O começo foi difícil, porque os softwares ainda eram muito operador-dependentes. Ademais da qualidade do exame, o resultado dependia da forma em que eram posicionados os pontos na borda endocárdica, totalmente manual.

Fiz algumas viagens a Itália, para participar de cursos e treinamentos e conheci, em Milão, uma pessoa fantástica: Claudio Bussadori, especializado em cardiopatias congênitas do adulto, no Hospital San Donato.

Em 2008, fui convidado para o Congresso Europeu de Cardiologia, em Munique, onde falei sobre aplicações do strain no diagnóstico das cardiomiopatias. Com a chegada de novos equipamentos e softwares mais avançados, os estudos preliminares do strain cardíaco se tornaram de aplicação clínica.

Minha mudança para Recife foi fundamental para completar o meu desenvolvimento profissional. Liguei-me à UPE, onde comecei a trabalhar ativamente com eco esofágico 3D (já tinha tido contato com o método lá por 2007, com um equipamento HP transtorácico).

O eco 3D esofágico do Procape permitiu, junto com Eugenio Albuquerque e Carlos Antônio da Mota Silveira, desenvolver trabalhos de qualidade, assim como iniciar o acompanhamento de procedimentos hemodinâmicos e cirúrgicos.

Nesse intervalo, lancei o meu segundo (Ecocardiografia na Prática Clínica, 2012) e terceiro livro (Strain Cardíaco, 2013) (Figura 6), ademais de ter sido convidado para escrever capítulos e prefácios em vários outros livros.

Em 2010, nasceu a ECOPE, nossa escola de ecocardiografia que, junto com Antônia Sena construímos e desenvolvemos todos esses anos, sempre com o lema “oferecer a melhor qualidade e excelência no ensino da ecocardiografia”.

Minha experiência como docente na BP, na USP onde ministrei aulas para graduação de Medicina e na Faculdade de Medicina do ABC, todas em São Paulo, associada à minha atuação durante mais de 10 anos na escola Cetrus, sempre ensinando ecocardiografia, junto com a visão, empreendedorismo, expertise e profissionalismo de Antônia nos permitiu culminar no que temos hoje: uma escola reconhecida não só em Pernambuco, mas no Brasil inteiro e até no exterior, uma Pós-Graduação com chancela MEC com a UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco) e um espaço que é como uma segunda casa para os alunos que a frequentam, constituindo uma família: A Família Ecope.

Para mais informações, acompanha nosso blog.

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