A morte súbita cardiovascular é a causa mais comum de óbito nos países industrializados e é a que ocorre dentro da primeira hora após o início dos sintomas. A doença coronariana é, sem dúvidas, a principal causa desses eventos, porém outros cenários também são possíveis como cardiomiopatias e canalopatias.
Dentro desse contexto, as arritmias malignas ocupam papel de destaque, principalmente aquelas que ocorrem após o infarto do miocárdio. Vale ressaltar que arritmias podem ocorrer em até 90% dos pacientes com infarto agudo do miocárdio, sendo mais frequentes na primeira semana pós evento.
Desta maneira, a estratificação de risco dos pacientes que, por exemplo, sofreram infarto é importante na tomada de medidas preventivas, como a implantação de cardiodesfibrilador.
Trazendo para a ecocardiografia, temos o seguinte entendimento: a indicação de regiões do ventrículo esquerdo (VE) despolarizam-se mais tardiamente que outras, principalmente na presença de fibrose, pode indicar dissincronismo da deformação miocárdica nestes segmentos. E esse é justamente o conceito de dispersão mecânica, inicialmente estudada através do Doppler tissular e posteriormente com a técnica de speckle-tracking.

Define-se dispersão mecânica, portanto, como a variação em torno da média do tempo ao pico da deformação de cada segmento miocárdico obtido pelo strain longitudinal, ou seja, o desvio-padrão da média, expresso em ms.

O tempo de máxima deformação, por sua vez, é o tempo ao pico do segmento miocárdico que apresenta maior tempo de deformação, também expresso em ms.
Em 2010, o primeiro estudo avaliou 85 pacientes com infarto do miocárdio, sendo que 44 desses pacientes receberam cardiodesfibrilador implantável (CDI) por presença de FE < 35% ou FE < 40% com ocorrência de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS) ou taquicardia ventricular durante o teste de esforço (indicação primária) e 41 por terem sobrevividos a parada cardiorrespiratória (PCR) ou por apresentarem taquicardia ventricular sustentada sintomática (indicação secundária).

Utilizando-se o strain global longitudinal (SGL) e a dispersão mecânica, os pacientes foram acompanhados durante 02 anos e 04 meses para verficiar se os métodos eram capazes de prever arritmias. Foram considerados eventos arrítmicos os disparos do CDI.
No período do estudo, 47 pacientes não apresentaram arritmias e 38 tiveram pelo menos um disparo do CDI. Comparando os grupos, observou-se que a fração de ejeção (FE) do VE não mostrou diferença significativa, mas a dispersão mecânica (PSD) e o tempo ao pico máximo foram maiores nos pacientes que tiveram arritmias.

A análise estatística mostrou que a dispersão mecânica foi maior em pacientes com arritmias recorrentes e o SGL foi marcador de arritmias em pacientes com relativa preservação da função do VE.

Para um valor de corte de PSD de 70 ms, foi demonstrada uma sensbilidade de 65% e especificidade de 92% para predizer arritmia pós-infarto.

Um outro estudo, com 988 pacientes que tiveram infarto do miocárdio, estabeleceu um valor de corte de 12% para o SGL e de 61,5 ms para a dispersão mecânica (PSD) prever a ocorrência de arritmia pós-infarto, principalmente durante os 03 primeiros meses de evolução. Pacientes com FE < 35% apresentaram maior risco.



Outro estudo com 1014 pacientes estabeleceu que um SGL < 14% (taxa de risco 2.2, 95% CI 1.39–3.41; p = 0.001) e dispersão mecânica > 75 ms (taxa de risco 2.3, 95% CI 1.64–3.23; p < 0.0001) tem alto valor preditivo para predizer arritmias ventriculares e morte súbita pós-infarto, enquanto que a FE do VE < 35% não mostrou valor preditivo (p = 0,091).

Portanto, fica bem documentado que o PSD tem respaldo para ser utilizado como preditor de arritmias ventriculares no contexto de pós-infarto, sendo assim uma excelente ferramenta ecocardiográfica para nosso dia-a-dia.

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.