Dispersão Mecânica na Cardiomiopatia Chagásica: preditor de arritmias

A Doença de Chagas (DC), causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, afeta de 6 a 7 milhões de pessoas em todo o mundo e continua sendo um problema de saúde pública na América Latina.

Aproximadamente 30% dos pacientes com DC desenvolvem cardiomiopatia chagásica crônica (CCC), uma forma progressiva de comprometimento miocárdico caracterizada por fibrose, arritmias e eventos tromboembólicos. A morte súbita cardíaca (MSC), resultante de arritmias ventriculares, é responsável por 55% a 65% dos óbitos relacionados à CCC, ocorrendo mesmo em pacientes sem sintomas cardiovasculares significativos prévios.

A ecocardiografia representa uma ferramenta fundamental na avaliação do paciente com CCC, no entanto, parâmetros convencionais como a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e marcadores de disfunção diastólica são insuficientes para um diagnóstico precoce.

Utilização de técnicas avançadas, como o strain, pode oferecer informações adicionais, sendo a dispersão mecânica (PSD) uma medida promissora na predição de arritmias ventriculares nos pacientes com insuficiência cardíaca por CCC.

Um estudo publicado há pouco na avaliou o papel da análise da dispersão mecânica do ventrículo esquerdo (VE) nos pacientes com cardiopatia chagásica crônica em predizer arritmias ventriculares, com foco na taquicardia ventricular não sustentada (TVNS).

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

Estudo colombiano, conduzido entre 2019 e 2021 com pacientes com sorologia positiva para doença de chagas associada a alguma alteração eletrocardiográfica ou ecocardiográfica consistente com a cardiomiopatia chagásica. Aqueles com hipertensão descontrolada e diabetes foram excluídos.

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

292 pacientes foram avaliados, sendo a maior parte deles em estágio C e classe funcional II (NYHA). 45.2% dos pacientes tinham cardiodesfibrilador implantável (CDI) e a maioria dos participantes do estudo apresentavam fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo (VE) reduzida, bem como valores anormais de dispersão mecânica.

A avaliação eletrocardiográfica dinâmica demonstrou presença de extrassístoles ventriculares em 77% dos participantes, enquanto que 18.8% tiveram episódio de TVNS documentado.

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

Aqueles com documentação de TVNS tinham parâmetros clínicos e eletrocardiográficos piores e, como esperado, o PSD teve forte correlação com outras variáveis clínicas e ecocardiográficas.

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

Como já discutido em postagens anteriores, aqui também houve uma associação significativa entre aumento da dispersão mecânica e implante de CDI, bem como com presença de arritmia ventricular.

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

A dispersão mecânica se mostrou como o preditor mais relevante para TVNS quando comparado com aneurisma ventricular, regurgitação mitral e área do átrio direito.

Luis Eduardo Echeverría, From Dyssynchrony to Arrhythmia: Left Ventricle Mechanical Dispersion as an Independent Predictor of Ventricular Arrhythmias in Chronic Chagas Cardiomyopathy, JournaloftheAmericanSocietyofEchocardiography
June2025

Os autores aplicaram esses achados em um modelo (scoring system) utilizando variáveis preditoras dicotomizadas, sendo atribuído 01 ponto para PSD > 75 ms, área do átrio direito > 19 cm² ou regurgitação mitral, e 02 pontos para a presença de aneurisma ventricular esquerdo.

Desta forma, a pontuação poderia variar de 0-5 e 03 diferentes grupos de risco foram determinados: baixo risco 0-1 ponto (n = 53) / intermediário risco 2-3 pontos (n = 94 / alto risco ≥ 3 pontos (n = 145).

O grupo de baixo risco não apresentou TVNS documentada, enquanto que no grupo de risco intermediário a presença deste arritmia foi observada em 12.3% dos casos e no grupo de alto risco, a prevalência de arritmia ventricular foi de 30.3%.

Em outro estudo, desta vez mais antigo (2016), a análise da dispersão mecânica, em conjunto com o strain longitudinal global (SGL) do VE, também foi avaliada no contexto da cardiomiopatia chagásica e risco de arritmias ventriculares malignas.

Um total de 62 pacientes (idade média 58.3 ± 8.3 anos, 62% sexo masculino) com doença de chagas e acometimento cardíaco foram divididos em dois diferentes grupos de acordo com a presença ou não de CDI. O grupo 0 foi composto por 34 pacientes sem CD e o grupo 01, por 28 pacientes já com CDI implantado.

J Am Soc Echocardiogr 2016;29:368-74

A análise ecocardiográfica mostrou diâmetros cavitários significativamente aumentados, FEVE reduzida e alteração dos parâmetros de função diastólica em ambos os grupos. Portanto, não foram observadas diferenças nesses parâmetros entre os dois diferentes grupos avaliados.

J Am Soc Echocardiogr 2016;29:368-74

Contudo, a função sistólica do VE pelo SGL foi pior nos pacientes com alguma arritmia documentada comparado com aqueles sem documentação de arritmia.

Alteração da contratilidade segmentar foi observada na parede inferior (28.1%), parede inferolateral (37.5%) e na parede inferosseptal (20.3%). Aneurisma apical foi documentado em 27.6% dos pacientes.

A análise do strain mostrou que a disfunção segmentar foi mais presente nas regiões inferosseptal e inferolateral.

Nos pacientes com cardiopatia chagásica e arritmia, a função segmentar foi pior nas regiões anterosseptal e inferosseptal comparando com os pacientes sem arritmia.

O SGL apresentou capacidade discriminatória justa entre aqueles com ou sem arritmia (C-statistic 0.65, 95%IC: 0.49-0.79), com o ponto de corte de 14.3% apresentando sensibilidade de 67% e especificidade de 69%.

A dispersão mecânica, por sua vez, demonstrou ser um melhor discriminador entre os dois grupos (C-statistics 0.83, 95%IC: 0.71-0.91), sendo superior ao SGL (p < 0.001) e à FE (p < 0.001). O ponto de corte considerado ótimo foi de 57 ms, apresentando sensibilidade de 97% e especificidade de 73% para predizer eventos arrítmicos.

Na análise multivariada, tanto o SGL quanto o PSD se mostraram marcadores significativos independentes de arritmia ventricular maligna no grupo 01 após ajuste para a classe funcional.

Portanto, desde 2016 (!!!!), ficou documentado que o SGL e a dispersão mecânica devem ser utilizadas como marcadores para predizer arritmias malignas nos pacientes com cardiopatia chagásica.

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