Arritmias ventriculares malignas são umas das principais causas de morte nos pacientes com insuficiência cardíaca, sobretudo naqueles com fração de ejeção reduzida. Não à toa, o implante de cardiodesfibrilador (CDI) tem recomendação Classe I para prevenção primária de morte súbita naqueles com fração de ejeção (FE) ≤ 35%.
Neste contexto, em pacientes que tiveram indicação de implantar CDI, seja para prevenção primária ou secundária, a dispersão mecânica se mostrou preditor de arritmias ventriculares independente da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (VE).

Trago aqui um estudo que avaliou o impacto prognóstico da análise da dispersão mecânica (PSD) em pacientes com disfunção ventricular esquerda moderada e importante na estratificação de risco para arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca.

Estudo observacional retrospectivo com pacientes clinicamente estáveis e com FE ≤ 45%, que realizaram estudo ecocardiográfico entre 2008 e 2014. Os pacientes avaliados tinham que ter pelo menos 40 dias pós admissão hospitalar por infarto miocárdico ou por insuficiência cardíaca e deveriam estar com o tratamento clínico otimizado.
Aqueles com (1) doença valvar moderada a importante ou (2) que tiveram a análise ecocardiográfica realizada durante a admissão hospitalar (para evitar a inclusão de pacientes instáveis) foram excluídos. Pacientes que necessitaram de implante de CDI durante o seguimento foram incluídos no estudo.
Um grupo controle, pareado pela idade, de 200 pacientes sem histórico de doença cardiovascular e com baixo risco cardiovascular foi selecionado para realizar a mesma avaliação ecocardiográfica.
O desfecho primário foi morte súbita cardíaca, arritmia ventricular sintomática ou choque apropriado do CDI.

Um total de 939 exames foram analisados. A idade média dos participantes foi de 70 anos (60-79) e 712 pacientes (76%) eram do sexo masculino. A média da fração de ejeção do VE foi de 37% (30-42%) e 527 pacientes (56%) tinham etiologia isquêmica da disfunção ventricular.

Mais da metade dos pacientes (n = 539, 57%) tinham FEVE > 35% no primeiro ecocardiograma. O seguimento médio foi de 91.4 ± 23.4 meses. Os 96 (10%) eventos de arritmia ventricular documentados foram: 41 mortes por evento arrítmico, 32 casos de arritmias ventriculares malignas (taquicardia/fibrilação ventricular sintomática) e 23 casos de terapia apropriada do CDI por TV/FV sustentada. 43 eventos (45%) ocorreram em pacientes com FE > 35%.
No grupo controle, o strain global longitudinal (SGL) médio foi de 20.4 ± 3.2% e a dispersão mecânica de 53.5 ± 11 ms.
Para predizer arritmia ventricular, a dispersão mecânica mostrou maior AUC (0.88) quando comparado com o SGL (0.61) e com a FEVE (0.59), considerando os valores de corte de ≥ 75 ms para o PSD, de 14% para o SGL e de 35% para a FEVE.

Um PSD ≥ 75 ms apresentou sensibilidade de 91% e especificidade de 79% para para predizer evento arrítmico comparado com 90% de sensibilidade e 19% de especificidade para SGL ≤ 14% e com 45% de sensibilidade e 43% de especificidade para FE ≤ 35%.
Utilizando mais uma vez o ponto de corte de 75 ms para o PSD, foram documentados 09 eventos para aqueles pacientes com a dispersão mecânica inferior a este valor. Para aqueles com PSD ≥ 75 ms, por sua vez, 87 eventos de arritmias ventriculares foram registradas.
Já em relação a FEVE, foram documentados 43 eventos naqueles pacientes com FEVE > 35% e 53 eventos naqueles com FE ≤ 35%.
Na análise univariada, PSD ≥ 75 ms, FEVE ≤ 35%, fibrilação atrial, hipertensão e insuficiência cardíaca foram preditores de arritmias ventriculares.

Na análise multivariada, por sua vez, apenas o PSD ≥ 75 ms (HR: 9.45; 95%IC: 4.75-18.81, p < 0.0001) foi preditor de arritmias ventriculares.
Quando ajustado pela idade, fibrilação atrial, presença de doença arterial coronária e pela FEVE, o PSD ≥ 75 ms continuou como preditor de arritmias ventriculares (HR: 9.61; 95%IC: 4.82-19.17, p < 0.0001).
Pacientes com PSD ≥ 75 ms e FEVE ≤ 35% tiveram maior propensão a apresentar algum evento arrítmico (p < 0.0001).

Vale destacar que entre os pacientes com PSD < 75 ms não houve diferenças em relação a presença de eventos arrítmicos entre os pacientes com disfunção ventricular importante (FEVE ≤ 35%) daqueles com disfunção ventricular moderada (FEVE 36-45%).
Acrescentando o PSD ≥ 75 ms em um modelo de estratificação de risco baseado apenas da FEVE resultou numa reclassificação de 37 pacientes com eventos evento documentado de arritmia ventricular para a categoria de “alto risco“.

No subgrupo submetido a estudo com ressonância magnética cardíaca, houve correlação entre o PSD e % do realce tardio.

O estudo conclui, portanto, que um PSD ≥ 75 ms se mostrou preditor de arritmias ventriculares em pacientes com disfunção ventricular esquerda moderada e importante, sendo um preditor independente de morte súbita e arritmias ventriculares inclusive naqueles com FE > 35%.
Estudos anteriores já haviam avaliado o impacto prognóstico da análise da dispersão mecânica no contexto de doença isquêmica. Muitos, porém, avaliaram os pacientes em fase precoce pós evento e, neste momento, a presença de edema pós isquemia poderia ser o responsável pelos achados e não a fibrose propriamente dita.
Em comparação com outros estudos que utilizaram a dispersão mecânica para predizer eventos arrítmicos, um valor > 75 ms se manteve como preditor independente da etiologia da disfunção ventricular.



Aqui, alguns exemplos de pacientes avaliados no estudo:

Paciente A – FEVE 44%, PSD 56 ms e SGL 12%. O paciente não apresentou arritmia ventricular durante o seguimento do estudo.
Paciente B – FEVE 32%, PSD 32 ms, SGL 7%. O paciente não apresentou arritmia ventricular durante o seguimento do estudo.
Paciente C – FEVE 43%, PSD 100 ms, SGL 10%. O paciente apresentou evento de arritmia ventricular durante o seguimento.
Paciente D – FEVE 28%, PSD 81 ms, SGL 6%. O paciente apresentou arritmia ventricular durante o seguimento.
Ainda em relação aos achados do estudo, trago aqui tabelas de acordo com cada etapa do seguimento:





Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.