Aproximadamente 0.2-0.4% dos pacientes com prolapso da valva mitral (PVM) evoluem com morte súbita cardíaca a cada ano. Acredita-se que o fenótipo arrítmico do PVM seja responsável pela presença de arritmias ventriculares malignas com potencial para morte súbita (MS), cuja taxa anual é estimada em 0.14 eventos para cada 100 pacientes.
Alguns achados são considerados de risco para a síndrome arrítmica do PVM. São eles:
- Inversão de onda T nas derivações inferiores,;
- Documentação de extrassístoles ventriculares polimórficas frequentes no Holter;
- Prolapso de ambos os folhetos;
- Aumento do átrio esquerdo;
- Fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo < 50%;
- Presença de realce tardio na ressonância magnética (RM) cardíaca;
- Disjunção do anel mitral (MAD);
- Insuficiência mitral importante;
Quando presente, a extensão da disjunção do anel posterior da valva mitral é um parâmetro relevante. Além disso, aumento da dispersão mecânica do ventrículo esquerdo (VE) e redução do strain global longitudinal (SGL) também são achados associados a um maior risco de arritmia ventricular em pacientes assintomáticos com MAD.
Assim sendo, a avaliação do PVM deve ser criteriosa a fim de se conseguir estabelecer, com assertividade, a presença ou não de fatores de risco anatômicos para a síndrome arrítmica.
Em 1986 um estudo sistemático conduzido por Hutchins et al., através de análise patológica de 900 corações de indivíduos adultos, descreveu o padrão anatômico de inserção do ânulo fibroso mitral junto à parede livre do ventrículo esquerdo e sua convergência com o átrio esquerdo (AE) – figuras A e B.
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Na presença de MAD, o ponto de inserção do AE e da valva mitral no anel fibroso é deslocado posteriormente em relação à parede do VE, criando uma distância entre o VE e esse ponto de inserção, dando a aparência de que o folheto posterior da valva mitral se insere diretamente na parede do AE (figuras B e C).
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Esse deslocamento posterior do anel fibroso ocorre como uma variação anatômica permanente e, portanto, deve estar presente durante a sístole e a diástole (!!!).
E aí vem a complicação …
De acordo com o International Expert Consensus Statement de 2022 sobre MAD e síndrome arrítmica do PVM, a disjunção do anel mitral é um achado sistólico, caracterizado pela separação entre o miocárdio do VE e o anel valvar mitral na região que suporta o anel posterior, visualizada no eixo longo da janela paraesternal.
Esta descrição passa a impressão de que se trata de um processo dinâmico que ocorre durante a sístole, não havendo esta separação na diástole.
Contudo, esse mesmo documento recomenda que a avaliação seja realizada durante todo o ciclo cardíaco (sístole e diástole, portanto) ao mesmo tempo que fala em enfatizar a avaliação apenas na sístole (“frame by frame analysis from early to late systole”) para excluir a possibilidade de que o prolapso de tecido excessivo do folheto posterior, partindo de um anel valvar com implantação habitual, possa ficar justaposto à parede posterior do AE e apresentar uma falsa aparência de MAD – Figura B.
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Teríamos, então, nesta situação o chamado pseudo MAD. O grande desafio agora é diferenciar esta condição que se assemelha à disjunção (mas não é) da MAD verdadeira.
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Faletra et al. propõe que a disjunção esteja sempre presente e, portanto, deve ser visualizada durante todo o ciclo cardíaco. Esta seria uma forma de diferenciar a MAD verdadeira do prolapso do folheto posterior cujo tecido se justapõe à parede posterior do átrio direito (como se fosse um tapete).
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Em um estudo publicado no JASE (falaremos dele em breve …), Fiore et al. avaliou retrospectivamente 603 exames ecocardiográficos de pacientes com PVM mixomatoso e achou uma prevalência de 7% de MAD verdadeira, enquanto que a pseudo MAD foi documentada em 37% dos pacientes do estudo.
Neste mesmo estudo, quando considerado o “critério” de que a disjunção precisa estar presente tanto na sístole quanto na diástole, 84% dos diagnósticos de MAD foram reclassificados como pseudo MAD.
Outra característica importante é que a prevalência de pseudo MAD aumenta de acordo com a gravidade da insuficiência mitral em razão da piora do prolapso do folheto posterior, enquanto que a MAD verdadeira não sofre influência da magnitude da regurgitação valvar.
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Vale ressaltar que, embora os resultados deste estudo sejam apenas descritivos, tanto os pacientes com MAD verdadeira e pseudo MAD exibiram maiores níveis de fibrose miocárdica, pela RM cardíaca, comparados com aqueles pacientes que apresentavam apenas PVM.
A MAD pode se apresentar de 05 diferentes formas no PVM:
(1) MAD sistodiastólica fixa – sem alongamento da distância;
(2) MAD sistodiastólica alongada – aumento da distância durante a sístole;
(3) MAD sistólica verdadeira – observada principalmente durante a sístole, mas presente na diástole;
(4) Pseudo MAD isolada;
(5) MAD verdadeira + pseudo MAD (aí você me quebra !!!) –
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
Excelente, parabéns
Excelente artigo!! É um tema que sempre gera dúvidas.
Parabéns Caio !!