As novas recomendações para aplicações clínicas da ecocardiografia com strain foram recentemente publicadas, em uma ação conjunta da Sociedade Americana de Ecocardiografia com o Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Europeia de Cardiologia.
Vamos trazer, assim, alguns pontos sobre este documento.

Uma grande discussão para quem utiliza a técnica do strain é sobre a utilização ou não do sinal negativo (“-“) para o valor global ou regional. Muitos argumentam (e com razão) que a presença de um número negativo pode gerar dúvidas para pacientes ou até mesmo para médicos não habituados com o método.
O documento, contudo, reforça que se (1) houver menção aos valores segmentares do strain, o sinal negativo deve ser mantido no sentido de diferenciar discinesia de segmentos com contratilidade normal; (2) ainda, mesmo se apenas o strain global longitudinal (SGL) for descrito, é aconselhável a utilização do “-“; (3) por fim, se o sinal negativo for omitido, é sugerido que o termo “encurtamento global longitudinal” (global longitudinal shortening) seja utilizado no lugar do termo “strain global longitudinal”.

Porém, contudo e todavia (graças a Deus !!!!), com o objetivo de melhorar a comunicação entre equipes médicas multidisciplinares e outros profissionais da saúde, o sinal negativo pode ser omitido, porém apenas se este fato for amplamente explicado na metodologia e, de preferência, utilizando o termo encurtamento como descrito anteriormente.

Muito além de um resultado numérico, a análise do strain deve sempre englobar a avaliação do formato e tempo das curvas de deformação (!!!!), visto que curvas com mesmo valores podem apresentar significados totalmente distintos.

PITFALLS:
(1) Evitar uma janela apical encurtada, pois desta forma haverá um aumento não verdadeiro dos valores do strain nos segmentos apicais. Desta forma, é preciso garantir que o ápex verdadeiro esteja sendo visualizado.

(2) Visualização limitada do miocárdio/endocárdio na sua interface com o sangue nos segmentos do ventrículo esquerdo, ou seja, a borda endocárdica precisa estar nítida em todos os segmentos. De forma geral, se mais de três segmentos estiverem tecnicamente prejudicados, o strain não deve ser considerado.

(3) Ajuste da ROI deve evitar um aumento excessivo de sua largura, pois pode subestimar os valores do strain. Apenas a parede miocárdica (por completo) deve ser contemplada no ajuste, devendo evitar a inclusão do pericárdio.

(4) Por outro lado, uma ROI pequena pode superestimar os valores do strain. Tal fato merece especial atenção naqueles casos de hipertrofia miocárdica e o ajuste deve ser feito criteriosamente ou a ROI refletirá apenas a deformação da camada subendocárdica.

(5) Na presença de hipertrofia septal tipo septo sigmoide, pela mudança do vetor de deformação, o strain radial pode se tornar predominante naquela região, resultando em uma deformação positiva durante a sístole. A recomendação, nestes casos, seria demarcar a ROI no sentido longitudinal. Todavia, se o aumento da espessura da parede envolver mais de um segmento, é recomendável realizar o ajuste utilizando toda a região hipertrofiada.

(6) Atenção aos tempos da diástole final e sístole final durante o ciclo cardíaco – ficar de olho no traçado eletrocardiográfico e suas marcações.

(7) A utilização de apenas um ciclo cardíaco para quantificar o strain no contexto de fibrilação atrial não é o recomendado (por razões óbvias). Deve-se considerar a média de vários ciclos cardíacos ou de pelo menos 03 ciclos consecutivos de duração semelhantes. Da mesma forma, deve-se evitar a avaliação de ciclos pré ou pós batimentos ectópicos.

(8) Utilizar a janela apical 4C padrão para avaliação do ventrículo direito pode subestimar os valores do strain de parede livre, sobretudo nos segmentos mais distantes do septo interventricular.

VALORES DE NORMALIDADE:
Uma meta-análise com > 2.300 indivíduos identificou um valor médio de -21%, com apenas 2.5% das pessoas “normais” apresentando SGL menor que 15.9% e 32%, menor que 18.4%. Por outro lado, D´Elia et al., mostrou um valor de -16% como limite inferior de normalidade.

Mais recentemente, Morris et al., realizou uma meta-análise envolvendo 43 estudos e 23.208 indivíduos saudáveis. Este estudo, por sua vez, também mostrou um valor de -16% como limite inferior de normalidade, em diferentes softwares, e com valor prognóstico entre uma amostragem ampla de pacientes com risco cardiovascular e em pessoas idosas.
A variação interindividual se dá pelas condições de enchimento, idade e gênero. A raça, por outro lado, não parece interferir nesta variação. Num grupo de pacientes idosos (> 65 anos) com fatores de risco para doenças cardiovasculares, o impacto da idade foi explicado pela presença das comorbidades associadas à esta população.

Quanto ao strain longitudinal do ventrículo direito (parede livre), um valor de normalidade entre -26.4 ± 4.2%, com limite inferior de normalidade considerado -18.2% foi proposto previamente em análise com > 1.000 indivíduos saudáveis.
Nesta análise, mulheres tiverem valores mais negativos (-27.2 ± 4.8%, limite inferior de normalidade -17,8%), com aquelas > 50 anos idade apresentando os maiores valores. O estudo WASE, por sua vez, a partir de uma amostra com 1.913 pacientes, mostrou um valor global do strain de parede livre do ventrículo direito (VD) de -28.3 ± 4.3% (limite inferior de normalidade de – 19.9%).
Em relação ao strain do átrio esquerdo (AE), a partir de análise de 40 artigos, temos um valor de reservatório de 39%, conduto de 23% e bomba de 17%.
A presente diretriz, conclui que:
- Um valor normal de SGL é > 18%, sendo borderline entre 16-18% e reduzido quando < 16%;
- Quando utilizado a análise longitudinal, com exames seriados, uma variação de 10-15% em relação ao exame basal é considerada significativa;
- O limite inferior de normalidade do strain de parede livre do VD deve ser de 20% em homens e de 21% em mulheres, com valores inferiores devendo ser considerados patológicos;
- O parâmetro mais robusto do strain do átrio esquerdo é o strain de reservatório, com o limite superior de normalidade considerado o de 60% e o limite inferior, de 23%. Valores entre 23-30% devem ser considerados borderlines.
A continuar …

Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.