Diretriz 2025 ASE/ESC para Aplicação do Strain: Parte I

As novas recomendações para aplicações clínicas da ecocardiografia com strain foram recentemente publicadas, em uma ação conjunta da Sociedade Americana de Ecocardiografia com o Departamento de Imagem Cardiovascular da Sociedade Europeia de Cardiologia.

Vamos trazer, assim, alguns pontos sobre este documento.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

Uma grande discussão para quem utiliza a técnica do strain é sobre a utilização ou não do sinal negativo (“-“) para o valor global ou regional. Muitos argumentam (e com razão) que a presença de um número negativo pode gerar dúvidas para pacientes ou até mesmo para médicos não habituados com o método.

O documento, contudo, reforça que se (1) houver menção aos valores segmentares do strain, o sinal negativo deve ser mantido no sentido de diferenciar discinesia de segmentos com contratilidade normal; (2) ainda, mesmo se apenas o strain global longitudinal (SGL) for descrito, é aconselhável a utilização do “-“; (3) por fim, se o sinal negativo for omitido, é sugerido que o termo “encurtamento global longitudinal” (global longitudinal shortening) seja utilizado no lugar do termo “strain global longitudinal”.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

Porém, contudo e todavia (graças a Deus !!!!), com o objetivo de melhorar a comunicação entre equipes médicas multidisciplinares e outros profissionais da saúde, o sinal negativo pode ser omitido, porém apenas se este fato for amplamente explicado na metodologia e, de preferência, utilizando o termo encurtamento como descrito anteriormente.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

Muito além de um resultado numérico, a análise do strain deve sempre englobar a avaliação do formato e tempo das curvas de deformação (!!!!), visto que curvas com mesmo valores podem apresentar significados totalmente distintos.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

PITFALLS:

(1) Evitar uma janela apical encurtada, pois desta forma haverá um aumento não verdadeiro dos valores do strain nos segmentos apicais. Desta forma, é preciso garantir que o ápex verdadeiro esteja sendo visualizado.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(2) Visualização limitada do miocárdio/endocárdio na sua interface com o sangue nos segmentos do ventrículo esquerdo, ou seja, a borda endocárdica precisa estar nítida em todos os segmentos. De forma geral, se mais de três segmentos estiverem tecnicamente prejudicados, o strain não deve ser considerado.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(3) Ajuste da ROI deve evitar um aumento excessivo de sua largura, pois pode subestimar os valores do strain. Apenas a parede miocárdica (por completo) deve ser contemplada no ajuste, devendo evitar a inclusão do pericárdio.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(4) Por outro lado, uma ROI pequena pode superestimar os valores do strain. Tal fato merece especial atenção naqueles casos de hipertrofia miocárdica e o ajuste deve ser feito criteriosamente ou a ROI refletirá apenas a deformação da camada subendocárdica.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(5) Na presença de hipertrofia septal tipo septo sigmoide, pela mudança do vetor de deformação, o strain radial pode se tornar predominante naquela região, resultando em uma deformação positiva durante a sístole. A recomendação, nestes casos, seria demarcar a ROI no sentido longitudinal. Todavia, se o aumento da espessura da parede envolver mais de um segmento, é recomendável realizar o ajuste utilizando toda a região hipertrofiada.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(6) Atenção aos tempos da diástole final e sístole final durante o ciclo cardíaco – ficar de olho no traçado eletrocardiográfico e suas marcações.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(7) A utilização de apenas um ciclo cardíaco para quantificar o strain no contexto de fibrilação atrial não é o recomendado (por razões óbvias). Deve-se considerar a média de vários ciclos cardíacos ou de pelo menos 03 ciclos consecutivos de duração semelhantes. Da mesma forma, deve-se evitar a avaliação de ciclos pré ou pós batimentos ectópicos.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

(8) Utilizar a janela apical 4C padrão para avaliação do ventrículo direito pode subestimar os valores do strain de parede livre, sobretudo nos segmentos mais distantes do septo interventricular.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

VALORES DE NORMALIDADE:

Uma meta-análise com > 2.300 indivíduos identificou um valor médio de -21%, com apenas 2.5% das pessoas “normais” apresentando SGL menor que 15.9% e 32%, menor que 18.4%. Por outro lado, D´Elia et al., mostrou um valor de -16% como limite inferior de normalidade.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

Mais recentemente, Morris et al., realizou uma meta-análise envolvendo 43 estudos e 23.208 indivíduos saudáveis. Este estudo, por sua vez, também mostrou um valor de -16% como limite inferior de normalidade, em diferentes softwares, e com valor prognóstico entre uma amostragem ampla de pacientes com risco cardiovascular e em pessoas idosas.

A variação interindividual se dá pelas condições de enchimento, idade e gênero. A raça, por outro lado, não parece interferir nesta variação. Num grupo de pacientes idosos (> 65 anos) com fatores de risco para doenças cardiovasculares, o impacto da idade foi explicado pela presença das comorbidades associadas à esta população.

Thomas et al, Journal of the American Society of Echocardiography, 2025

Quanto ao strain longitudinal do ventrículo direito (parede livre), um valor de normalidade entre -26.4 ± 4.2%, com limite inferior de normalidade considerado -18.2% foi proposto previamente em análise com > 1.000 indivíduos saudáveis.

Nesta análise, mulheres tiverem valores mais negativos (-27.2 ± 4.8%, limite inferior de normalidade -17,8%), com aquelas > 50 anos idade apresentando os maiores valores. O estudo WASE, por sua vez, a partir de uma amostra com 1.913 pacientes, mostrou um valor global do strain de parede livre do ventrículo direito (VD) de -28.3 ± 4.3% (limite inferior de normalidade de – 19.9%).

Em relação ao strain do átrio esquerdo (AE), a partir de análise de 40 artigos, temos um valor de reservatório de 39%, conduto de 23% e bomba de 17%.

A presente diretriz, conclui que:

  • Um valor normal de SGL é > 18%, sendo borderline entre 16-18% e reduzido quando < 16%;
  • Quando utilizado a análise longitudinal, com exames seriados, uma variação de 10-15% em relação ao exame basal é considerada significativa;
  • O limite inferior de normalidade do strain de parede livre do VD deve ser de 20% em homens e de 21% em mulheres, com valores inferiores devendo ser considerados patológicos;
  • O parâmetro mais robusto do strain do átrio esquerdo é o strain de reservatório, com o limite superior de normalidade considerado o de 60% e o limite inferior, de 23%. Valores entre 23-30% devem ser considerados borderlines.

A continuar …

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