O complexo de Shone, primeiramento descrito por John Shone em 1963, é uma malformação cardíaca rara (0.6% das cardiopatias congênitas) e consiste na presença de (1) anel mitral supravalvar, (2) estenose subaórtica, (3) valva mitral em paraquedas e (4) coarctação de aorta.
É tipicamente diagnosticada durante a infância, sendo condição rara entre adultos, e se associa a significativa morbimortalidade.
Enquanto que a presença destas 4 alterações é necessária para a definição diagnóstica, quando temos apenas 2 ou 3 malformações que compõem esse complexo, podemos classificá-las como complexo de Shone parcial.
Quando na idade adulta, o principal sintoma habitualmente relatado pelos pacientes é a dispneia aos esforços, com intensidade variável de acordo com o grau de estenose mitral em razão das anormalidades estruturais desta valva. Ainda, a obstrução do fluxo mitral é tida como o primeiro evento patológico desta síndrome.
Tanto que alguns estudos já associaram a presença de alterações morfológicas da valva mitral (espessamento dos folhetos, encurtamento de cordoalhas, fluxo turbulento abaixo do plano valvar) à estenose valvar significativa e piores desfechos clínicos.
Geralmente há um padrão clássico de valva mitral em paraquedas, contudo pode haver um padrão “parachute-like“, em que há a presença de dois (ou mais) músculos papilares, contudo com morfologia e implantação anômalas.
Enquanto que a presença de anel supravalvar mitral se associa fortemente com estenose aórtica subvalvar, a presença de valva mitral em paraquedas se associa à presença de coarctação de aorta.
Vamos de caso clínico?
Paciente masculino, 39 anos, com histórico de obesidade e hipertensão arterial sistêmica (HAS) não controlada, encaminhado para a cardiologia por queixa de dispneia aos pequenos esforços.
Apesar do uso regular das medicações, chamava atenção uma pressão arterial de difícil controle. Ao exame, pressão arterial 155×71 mmHg e FC 96 bpm, com presença de sopro diastólico com irradiação para o ápex, além de diminuição dos pulsos nas extremidades inferiores.
Ecocardiograma transtorácico revelou hipertrofia ventricular esquerda significativa (septo 19 mm / parede posterior 17 mm), com fração de ejeção reduzida (FE 41%). Valva mitral com morfologia atípica, apresentando folheto anterior em domo, com restrição significativa da mobilidade do folheto posterior, resultando em estenose mitral importante (gradiente médio de 13 mmHg, com FC de 100 bpm).
A maioria das cordoalhas tendíneas aparentavam estar ligadas à apenas um músculo papilar, sugerindo a presença de valva mitral em paraquedas.
O paciente, então, realizou um ecocardiograma transesofágico, cujo resultado confirmou uma valva mitral com morfologia anormal com presença de espessamento dos folhetos, folheto anterior em domo e importante restrição de mobilidade, resultando em aumento da velocidade de fluxo e estenose valvar.
Foram observados dois músculos papilares, contudo com implantação muito próxima um do outro (figura B), sugerindo uma valva mitral tipo “parachute-like”. Não havia evidências de anel mitral supravalvar ao método.
A valva aórtica era trivalvular, contudo havia um refluxo valvar significativo (PHT 213 ms) por dilatação severa (5.7 cm) da raiz de aorta (C), sem presença de membrana subaórtica. Aorta descendente com estreitamento discreto e aceleração de fluxo ao Doppler, sugerindo coarctação (D).
A ressonância magnética (RM) confirmou a presença de uma valva mitral tipo “parachute-like” e coarctação severa da aorta após a origem da artéria subclávia esquerda, com extensa rede de colaterais.
Em razão da presença das alterações da valva mitral e da coarctação aórtica foi definido o diagnóstico de complexo de Shone parcial. O paciente foi, então, submetido a tratamento invasivo, em dois tempos, com implante percutâneo de endoprótese na região de coarctação e, posteriormente, com cirurgia de dupla troca valvar (mitral e aórtica) com próteses mecânicas e correção de aneurisma de raiz de aorta.
O paciente apresentou boa evolução no pós operatória e iniciou programa de reabilitação cardíaca.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
excelente