O pós operatório de cirurgia cardíaca talvez seja uma das situações de maior complexidade da cardiologia, demandando muito conhecimento técnico daqueles que trabalham diretamente com esses pacientes (para mim, de longe, foi a parte mais desafiadora da residência!).
Diante do alto grau de complexidade, tanto pela doença cardíaca de base, quanto pelo magnitude do trauma que é uma cirurgia cardíaca convencional, diversas são as possibilidades de complicações no pós operatório.
Os diagnósticos diferenciais para casos de instabilidade hemodinâmica pós cirurgia cardíaca incluem insuficiência cardíaca descompensada, síndrome coronariana aguda, tamponamento cardíaco, embolia pulmonar, sepse, pneumotórax, entre outros.
Nesse contexto, os métodos de imagem desempenham importante papel no auxílio diagnóstico destes pacientes.
Trago aqui um relato de caso do período CASE (sempre ele!) de um paciente com múltiplas e importantes comorbidades, que evoluiu com quadro de choque misto na terceira semana após cirurgia de troca valvar aórtica. Aqui, os exames de imagens foram cruciais para o correto entendimento dos mecanismos relacionados à instabilidade hemodinâmica do mesmo.
Homem, 66 anos, admitido no pronto socorro com dor no peito e dispneia progressiva. Ao exame, apresentava-se febril (temperatura 38.6°c), com frequência cardíaca de 140 bpm e pressão arterial de 75×36 mmHg, além de frequência respiratória de 26 irpm, saturando 92% em ar ambiente.
Havia padrão de esforço respiratório (uso de musculatura acessória) e chamava atenção presença de eritema na região do esterno e edema em membros inferiores. À ausculta cardíaca, presença de sopro sistólico na borda esternal direita, no segundo espaço intercostal, associado a pulso paradoxal. Ausculta pulmonar limpa.
Além do histórico recente de cirurgia cardíaca para troca valvar aórtica (prótese mecânica) há 03 semanas, o paciente era portador de DPOC, cirrose hepática de etiologia alcoólica, hipertensão arterial e dislipidemia.
Os diagnósticos diferenciais foram choque séptico por infeção de ferida operatória e/ou endocardite, e choque cardiogênico por possíveis complicações pós operatórias (tamponamento por síndrome pós pericardiotomia, sangramento pós cirúrgico em paciente anticoagulado – em uso de Marevam pela prótese metálica). Outras possibilidades incluíam pneumonia, síndrome coronariana aguda, pneumotórax, embolia pulmonar, insuficiência cardíaca descompensada e DPOC exacerbada.
Foi, então realizado, ecocardiograma à beira do leito que demonstrou presença de derrame pericárdico moderado a importante e com restrição à dinâmica ventricular.
Realizado pericardiocentese com drenagem de conteúdo hemático sugerindo hemopericárdio. De imediato o paciente apresentou melhora hemodinâmica e o eco confirmou redução significativa do volume do derrame.
Após drenagem de 1.7 litros, foi optado por interromper o procedimento. Após 10 minutos notou-se progressivo aumento do volume do derrame, motivo pelo qual o dreno pericárdico foi mantido.
O paciente foi encaminhado para unidade de terapia intensiva, sendo adotadas medidas clínicas para melhora do sangramento e iniciado suporte vasopressor. Pela presença de febre persistente, foi também iniciado antibioticoterapia de amplo espectro e coletado culturas.
Uma tomografia computadorizada (TC) foi realizada demonstrando deiscência da esternotomia com presença de fios de aço fraturados. Um deles penetrou a cavidade pericárdica e estava direcionado para a parede livre do ventrículo direito (VD).
Foi, então, necessária uma nova abordagem cirúrgica e foi constatada laceração da parede livre do VD, sendo prontamente reparada.
Portanto, o hemopericárdio foi resultado desta laceração, por ação direta do fio de aço fraturado. À medida em que o derrame foi se tornando mais volumoso, o fio de aço foi se distanciando da parede livre do VD e o sangramento foi contido. Com a pericardiocentese e drenagem do líquido pericárdico, o fio de aço novamente se aproximou e voltou a causar lesão direta na parede ventricular, fazendo com que o sangramento se tornasse novamente ativo, levando aumento do derrame pericárdico.
No contexto de febre e com sinais diretos de infecção da ferida operatória, havia um componente séptico associado ao choque hemodinâmico, confirmado com as culturas (pericárdicas e do esterno) sendo positivas para Staphylococcus auseus.
O paciente evoluiu com disfunção orgânica múltipla, necessidade de várias abordagens cirúrgicas para debridamento do esterno e ainda teve documentada endocardite de valva mitral pela ecocardiografia transesofágica durante a internação.
Após não resposta aos diversos tratamentos, com persistência de quadro clínico dramático, o paciente entrou em programa de cuidados paliativos (em comum acordo com familiares) e faleceu.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.