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Cardiomiopatia Hipertrófica Apical: chegou a hora do mirtilo ?

Medicina e culinária apresentam uma relação íntima (os patologistas que o digam!) e, na ecocardiografia, o grande destaque é a cereja. Afinal, o padrão “cereja no bolo” é amplamente conhecido e relacionado ao diagnóstico de amiloidose cardíaca (cuidado! nem toda cereja é amioloidoseclique aqui).

Mas nem todo reinado é para sempre, não é verdade?! Será, então, a hora e a vez do mirtilo (blueberry)??? Vamos entender melhor…

A cardiomiopatia hipertrófica apical é uma variante rara da cardiomiopatia hipertrófica (MCPH), mais frequentemente observada em homens asiáticos (esta variante corresponde a cerca de 25% dos casos de MCPH em asiáticos contra 1-10% em não asiáticos). Caracterizada por hipertrofia predominante na região apical do ventrículo esquerdo, confere a esta cavidade ventricular um aspecto descrito como em “ás de espadas” durante a diástole final, melhor observado na janela apical 4C.

https://doi.org/10.1016/j.case.2024.01.006

A fisiopatologia desta doença envolve o acometimento de pequenos vasos, resultando em isquemia miocárdica pela obliteração da cavidade ventricular e contração persistente dos segmentos apicais na diástole precoce. Isso causa obstrução microvascular, levando a defeitos perfusionais regionais.

Os critérios diagnósticos atuais incluem: (1) espessura diastólica da parede ventricular ≥ 15 mm, em qualquer segmento, (2) na ausência de outras alterações cardíacas, sistêmicas ou metabólicas que sejam capazes de induzir hipertrofia ventricular. Quando associado a casos em parentes de primeiro grau ou na presença de teste genético positivo, uma hipertrofia menos pronunciada (13-14 mm) pode ser definidora de doença.

Na prática, porém, a gente sabe que o diagnóstico ecocardiográfico pode não ser tão fácil, com índices de falso negativos de até 30% em algumas séries e isso acontece, muitas vezes, em razão da dificuldade de delimitar as bordas endocárdicas.

O strain longitudinal, por sua vez, se tornou uma ferramenta bastante útil neste cenário ao documentar valores reduzidos nos segmentos apicais, ajudando a melhorar a acurácia diagnóstica.

O padrão “blueberry on top“, observado nos casos de CMPH apical, ocorre pelo desarranjo miofibrilar nos segmentos apicais, com maior quantidade de tecido conjuntivo frouxe e fibrose, impactando diretamente na geração das forças de contração. Este padrão é observado quando feita a análise do “time do peak strain“, enquanto que a análise do strain de pico sistólico (peak systolic strain) mostra o padrão de “amiloidose invertida“.

O time to peak strain parece ser uma ferramenta mais robusta nos pacientes com MCPH apical ao documentar uma perda de sincronismo contrátil nas regiões apicais, refletindo uma maior dispersão mecânica.

A dispersão mecânica consiste na variação em torno da média do tempo ao pico da
deformação de cada segmento miocárdico obtido pelo strain longitudinal (desvio-padrão da média, em ms) e o tempo de máxima deformação corresponde ao tempo do pico do segmento miocárdico que apresenta maior tempo de deformação (em ms). Estes parâmetros parecem refletir a fibrose miocárdica e seriam importantes na estratificação de risco das arritmias.

Essa dispersão, documentada pelo time to peak strain não só se correlaciona com o grau de fibrose, mas também é um preditor independente de arritmias ventriculares.

Acontece que o que se espera é que em segmentos miocárdicos com contratilidade reduzida (por exemplo, após infarto miocárdico) haja uma redução dos valores de strain e um atraso no time to peak strain. Um time to peak strain precoce paradoxal em segmentos com strain longitudinal reduzido é algo atípico. Uma possível explicação para que isto ocorra nos pacientes com CMPH apical seria um mecanismo contrátil alterado, levando a uma deformação passiva precoce dos segmentos apicais em resposta da deformação dos segmentos basais e médios (estes, com menos fibrose).

Ao bull´s eye, observa-se uma redução abrupta dos valores do time to peak strain à medida em que se direciona para o ápice. Isso se traduz por uma mudança significativa da representação em cor (mudança de vermelho “vivo” para rosa, quando essa redução não é tão significativa e mudança de vermelho “vivo” para azul quando esse “gradiente” é maior). Esse padrão pode ser ainda mais significativo na presença de aneurisma apical.

2468-6441
https://doi.org/10.1016/j.case.2024.01.006

É importante ressaltar, contudo, que esse padrão de blueberry on top não é específico de CMPH apical e pode ser observado na cardiomiopatia isquêmica com acometimento apical (aneurisma, discinesia).

Portanto, esse recurso deve ser utilizado como ferramenta complementar quando na suspeita diagnóstica desta variante da cardiomiopatia hipertrófica, ou seja, com contexto clínico apropriado.

2468-6441
https://doi.org/10.1016/j.case.2024.01.006
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