Dentre os parâmetros ecocardiográficos utilizados para diferenciar amiloidose cardíaca de outras condições dentro do espectro de hipertrofia ventricular, o padrão de “apical sparing“, também conhecido como “cereja do bolo“, ao strain longitudinal, é considerado como um dos marcadores (red flag) da doença.
Contudo, sabemos que esse achado não é específico da amiloidose cardíaca, podendo ser encontrado também em condições como doença renal crônica em estágios avançados e estenose aórtica severa.
Algumas medidas são citadas para o auxílio diagnóstico através da análise do strain longitudinal. Entre elas, a relação entre a média do Strain dos segmentos apicais e a média dos segmentos basal e médio (RRSRI ratio) e a relação septal dos segmentos apical e basal (SAB ratio).
Um estudo publicado na European Heart Journal – Cardiovascular Imaging avaliou as limitações deste padrão (apical sparing) para o diagnóstico de amiloidose cardíaca.
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https://doi.org/10.1093/ehjci/jeae021
Estudo multicêntrico, internacional, com 544 pacientes com diagnóstico de amiloidose cardíaca (grupo amiloidose), sendo 375 com amiloidose ATTR e 169 com amiloidose AL, avaliados entre 2001 e 2023. A comparação aconteceu com dois diferentes grupos: grupo controle (200 pacientes com suspeita clínica e/ou ecocardiográfica, porém com diagnóstico descartado de amiloidose cardíaca) e grupo controle saudável (174 indivíduos saudáveis).
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Foram avaliados a espessura relativa, índice de massa e a relação ASR (apical sparing ratio) – relação do strain longitudinal apical com os segmentos basais e médios, além do escore AMYLI (AMYloidosis index score) – produto da espessura relativa e relação E/e´.
Pacientes com doença valvar significativa ou com dispositivos de assistência ventricular foram excluídos.
Após análise inicial, um total de 544 ecocardiogramas do grupo amiloidose cardíaca, 200 do grupo controle e 174 exames do grupo controle saudável foram analisados.
Em relação ao grupo controle, 51% dos pacientes apresentavam mais de uma indicação clínica para suspeita de amiloidose cardíaca, entre as quais disfunção ventricular esquerda (41%), insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (28%), hipertrofia ventricular esquerda de causa inexplicada (15%), doença renal crônica em estágio avançado (12%) e outras razões (4%).
A fração de ejeção do VE foi significativamente maior no grupo controle quando comparado com o grupo de amiloidose cardíaca (52.5 ± 19.2% vs. 9.3 ± 13.4%, P = 0.008), enquanto que os parâmetros de função diastólica foram significativamente piores no grupo amiloidose cardíaca (P < 0.05).
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A análise do strain do ventrículo esquerdo foi distinta entre todos os grupos. Nos pacientes com amiloidose cardíaca, o SGL do VE foi significativamente menor, apesar da presença de valores maiores nos segmentos apicais. Por consequência o ASR foi significativamente maior neste grupo quando comparado com o grupo controle (2.4 ± 1.2 vs. 1.6 ± 0.7, P < 0.05).
Foi realizado uma análise com diferentes valores de corte para o ASR (1.0 até ≥2.0) nos três grupos. Dessa forma, quanto mais alto o valor (próximo de 2.0), houve uma menor porcentagem de pacientes com apical sparing em todos os três grupos, sendo o valor de 1.8 resultante em zero pacientes com esse padrão no grupo controle saudável.
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Um ASR ≥2.0, valor previamente determinado como ideal para ponto de corte, indicou padrão de apical sparing em apenas 55% dos pacientes do grupo amiloidose cardíaca, mas também em 18% dos pacientes do grupo controle, com acurácia de 0.63 (sensibilidade 0.51, especificidade 0.86).
Quando utilizado um valor de corte de 1.67, a acurácia foi de 0.74 (sensibilidade 0.72, especificidade 0.66).
De uma forma geral, todos os parâmetros mostraram acurácia limitada (AUC < 0.8) para o diagnóstico de amioloidose cardíaca, sendo que a espessura relativa; volume diastólico final do VE indexado < 53 ml/m²; ASR > 1.67; e AMYLI > 7.8 mostraram os melhores valores (AUC entre 0.7-0.8).
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Os resultados mostraram, portanto, que mesmo usando um ponto de corte menor (1.67), o ASR apresentou apenas 72% de sensibilidade e 66% de especificidade para diferenciar pacientes com amiloidose cardíaca de pacientes do grupo controle. Ainda que seja utilizado o valor considerado ideal (≥2.0), a acurácia diagnóstica continua fraca, com o padrão apical sparing sendo identificado em 32% dos pacientes do grupo controle e em 6% pacientes do grupo controle saudável.
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https://doi.org/10.1093/ehjci/jeae021
Vale destacar que a fórmula utilizada para o cálculo do ASR neste estudo difere da original proposta por Phelan et al., baseada na soma do segmentos médios e basais, resultando em valores que são exatamente a metade dos que foram encontrados neste estudo.
O estudo conclui, portanto, que o uso do padrão apical sparing para diferenciar pacientes com amiloidose cardíaca tem limitações significativas.
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Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
[…] Medicina e culinária apresentam uma relação íntima (os patologistas que o digam!) e, na ecocardiografia, o grande destaque é a cereja. Afinal, o padrão “cereja no bolo” é amplamente conhecido e relacionado ao diagnóstico de amiloidose cardíaca (cuidado! nem toda cereja é amioloidose – clique aqui). […]