Cardiomiopatia Chagásica e Arritmias: a dispersão mecânica pode ser um sinal

Se na medicina a sífilis é a grande “imitadora das doenças”, talvez a cardiomiopatia chagásica seja a “sífilis da cardiologia”, uma vez que o acometimento cardíaco da doença de Chagas pode se manifestar de diferentes e variáveis formas, com destaque para a presença de fibrose miocárdica e de arritmias cardíacas.

Cerca de 30% dos pacientes com a forma crônica da doença de Chagas evoluem com acometimento cardíaco e a morte súbita cardíaca resultante de arritmias ventriculares é responsável por 55-65% das mortes relacionadas à cardiomiopatia chagásica. Essas (arritmias), por sua vez, podem se manifestar mesmo naqueles pacientes sem sintomas cardiovasculares, sendo, portanto, uma grande preocupação daqueles que acompanham esses pacientes.

Como a ecocardiografia desempenha papel importantíssimo no acompanhamento dos pacientes com doença de Chagas, se faz necessário ressaltar, contudo, que os parâmetros convencionais, como fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo e marcadores de disfunção diastólica, são insuficientes quando pensamos em diagnóstico precoce.

Com o advento do strain, através da técnica de speckle-tracking, novas variáveis podem ser analisadas, dentre elas a dispersão mecânica do ventrículo esquerdo (VE) cuja a capacidade de predizer arritmias no contexto de insuficiência cardíaca é muito promissora.

Seguindo esta lógica, podemos utilizar a avaliação da dispersão mecânica do VE no contexto da cardiomiopatia chagásica ???

Journal of the American Society of Echocardiography, 2025-06-01, Volume 38, Edição 6, Páginas 519-523, Copyright © 2025

Estudo colombiano realizado entre 2019-2021 com pacientes adultos com sorologia positiva para doença de Chagas associado a presença de alterações eletrocardiográficas ou ecocardiográficas consistentes com cardiomiopatia chagásica.

Foram avaliados 292 pacientes, estando a maioria em estágio C e classe funcional (NYHA) II. 45.2% dos participantes já tinham cardiodesfibrilador implantável (CDI) e grande parte dos pacientes tinham FE do VE reduzida e valores alterados de dispersão mecânica (PSD). A avaliação eletrocardiográfica dinâmica mostrou que 77.7% dos pacientes tinham extrassístoles ventriculares enquanto que 18.8% apresentaram pelo menos 01 episódios de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS).

Os pacientes com TVNS tinham piores parâmetros ecocardiográficos.

Adaptado de Journal of the American Society of Echocardiography, 2025-06-01, Volume 38, Edição 6, Páginas 519-523, Copyright © 2025

A análise do PSD se correlacionou, de forma significativa, com variáveis clínicas e ecocardiográficas, com destaque para a necessidade de implante de CDI e para a presença de arritmias ventriculares.

Journal of the American Society of Echocardiography, 2025-06-01, Volume 38, Edição 6, Páginas 519-523, Copyright © 2025

A dispersão mecânica do VE se mostrou um dos preditores mais relevantes para TVNS, ao lado de aneurisma ventricular, regurgitação mitral e o tamanho do átrio direito.

Journal of the American Society of Echocardiography, 2025-06-01, Volume 38, Edição 6, Páginas 519-523, Copyright © 2025

Baseado nos achados, os autores desenvolveram um escore com variáveis preditoras de arritmia:

  • PSD > 75 ms –> 01 ponto;
  • Área do AD > 19 cm² — > 01 ponto;
  • Regurgitação mitral –> 01 ponto;
  • Aneurisma ventricular –> 02 pontos.

Portanto, uma pontuação de 0 – 5 poderia ser obtida e 03 diferentes grupos de risco foram definidos. Aqueles com baixo risco (0-1 ponto, n = 53) não apresentaram episódios de TVNS. Os de risco intermediário (2-3 pontos, n = 94) apresentaram uma prevalência de 12.3% de TVNS, enquanto que o grupo de alto risco (> 3 pontos, n = 145) tiveram prevalência de 30.3%.

Journal of the American Society of Echocardiography, 2025-06-01, Volume 38, Edição 6, Páginas 519-523, Copyright © 2025

Para quem ainda não está habituado com esta variável, a dispersão mecânica consiste na variação em torno da média do tempo ao pico da deformação de cada segmento miocárdico obtido pelo strain longitudinal, ou seja, o desvio-padrão da média e é expresso em ms.

Se ficou confuso para você, na próxima postagem falarei mais sobre este parâmetro.

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