A calcificação/esclerose valvar aórtica já foi considerada como um processo natural do envelhecimento. Contudo, seus fatores de risco (idade avançada, sexo masculino, hipertensão arterial, dislipidemia, tabagismo e diabetes), bem como seus aspectos histológicos (deposição de lipoproteína, reação inflamatória crônica e ativação da cascata de calcificação) são semelhantes aos do processo de aterosclerose sistêmica.
Estudos já documentaram que a calcificação valvar aórtica (aortic valve calcification – AVC) é um forte preditor de morbimortalidade na população geral, implicando em um aumento de 50% do risco de morte cardiovascular e infarto miocárdico. Ainda, está associada a uma prevalência aumentada de hipertrofia ventricular esquerda (HVE) arritmias ventriculares e disfunção ventricular sistólica.
Apesar de frequentemente associada à estenose aórtica (EAo), a AVC pode existir sem que haja disfunção valvar, sendo caracterizada como com aumento da ecogenicidade em áreas focais dos folhetos, bem como espessamento destes, sem que haja restrição de mobilidade. A prevalência de AVC sem EAo significativa gira em torno de 20-30% em pacientes > 65 anos, chegando a 48-57% entre pacientes octagenários.
Diante disso, a quantificação da AVC, usando diferentes modalidades de imagem, tem ganhado interesse científico já há algum tempo. Vamos ver como a ecocardiografia pode auxiliar nesse sentido!
Um estudo (Yousry, M., Aortic valve type and calcification as assessed by transthoracic and transoesophageal echocardiography. Clin Physiol Funct Imaging, 35: 306-313. https://doi.org/10.1111/cpf.12166) comparou a acurácia diagnóstica da ecocardiografia (transtorática e transesofágica) na determinação do fenótipo valvar (bivalvular x trivalvular), bem como o grau AVC, com a avaliação intraoperatória das características da VAo.
Foram avaliados 169 pacientes, sem doença arterial coronariana significativa, submetidos a cirurgia de valva aórtica e/ou raiz de aorta. Os pacientes realizaram estudo transtorácico uma semana antes da intervenção cirúrgica e um ecocardiograma transesofágico intraoperatório.
A descrição da calcificação valvar foi feita baseado em um escore de 1 a 5, em que:
1- folhetos normais, sem evidência de espessamento ou calcificação;
2- Presença de espessamento, porém sem calcificação;
3- Calcificação leve – pequeno foco de calcificação não excedendo 1/3 da área dos folhetos valvares;
4 – Calcificação moderada – focos de calcificação não excedendo 2/3 da área dos folhetos valvares;
5 – Calcificação significativa (grosseira) – acometimento > 2/3 da área dos folhetos valvares.
Baseado nesta classificação, os pacientes tiveram seus achados classificados, por diferentes avaliadores e de forma “cega”, através do ecocardiograma transtóracico (ECO TT), transesofágico (ECO TE) e através da análise por um software baseado em escala de cinza (ver esta postagem). Da mesma forma, durante o momento da cirurgia, o cirurgião cardíaco era questionado sobre a graduação da calcificação valvar, usando o mesmo escore, a partir da análise visual e tátil in situ.
Posteriormente, tendo como referência a avaliação intraoperatória, foram comparadas as avaliações do grau de calcificação usando o escore proposto com avaliação visual subjetiva.
Ainda, foi realizado uma comparação com as avaliações feitas com imagem estática e com a imagem em movimento.
O estudo demonstrou que, comparada com a avaliação intraoperatória, a análise baseada no escore, usando imagens em movimento, apresentou uma correlação superior (ECO TT r = 0.83 e ECO TE r = 0.82) que a análise visual subjetiva (ECO TT r = 0.64 e ECO TE r = 0.63) e que a análise utilizando o software baseado na escala de cinza (ECO TT r = 0.63 e ECO TE r = 0.52) de imagens estáticas.
A análise interobservador mostrou concordância, entre dois avaliadores distintos, elevada, com intervalo de confiança de 0.93 para o ECO TT e de 0.94 para o ECO TE.
A avaliação baseada na imagem estática teve o coeficiente de correlação menos favorável comparado com a avaliação da imagem em movimento (ECO TT: r = 0.64 x r = 0.83; ECO TE: r = 0.63 x r = 0.82). Isso pode se justificar pelo fato de que, por se tratar de uma estrutura tridimensional, parte do espessamento e/ou calcificação posse ser apenas visualizada durante a sístole ou diástole.
A avaliação sistemática semiquantitativa através do escore de calcificação de imagens em movimento se mostrou superior à análise de imagens estáticas, com um elevado grau de concordância interobservador, conclui o estudo.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.
exclente conteudo como sempre
Boa tarde meu nome é Angélica tenho 52 anos, e no meu exame ecocardiograma a médica, disse que viu uma pequena, e leve calcificação da válvula mitral, mas que não era pra se preocupar, e refazer o exame com2 anos. Estou muito preocupada
Olá, Angélica. Tudo bem? A calcificação valvar é um processo que pode existir à medida em que os anos vão passando, ou seja, faz parte do processo natural de envelhecimento. Em algumas situações, pode ocorrer de forma mais intensa e, eventualmente, trazer consequências para o funcionamento da valva. Por esta razão, recomenda-se o controle ecocardiográfico periódico. O ideal é voltar a sua médica e tirar todas as suas dúvidas para que a senhora possa ficar mais tranquila. Espero ter ajudado.