A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição caracterizada por episódios recorrentes de obstrução da via aérea superior durante o sono levando, de forma intermitente, a hipóxia, hipercapnia e flutuação da pressão intratorácica, além de promover um status hiperadrenérgico com consequente aumento do estresse oxidativo e disfunção endotelial.
Muito além do incômodo gerado pelos roncos noturnos, a AOS se associa a um grande espectro de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial e fibrilação atrial por exemplo, bem como pode levar ao remodelamento cardíaco patológico ao longo dos anos.

Quando indicada, a terapia com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) parece exercer impacto positivo na redução de eventos cardiovasculares e, em alguns casos, induzir ao remodelamento reverso com melhora da performance ventricular e atenuando a dilatação do átrio esquerdo (AE).

Trago aqui uma meta-análise, com dados recentes da literatura, cujo objetivo foi avaliar o impacto da terapia com CPAP na AOS relacionados à mecânica cardíaca e remodelamento do coração.

Os critérios de elegibilidade dos estudos incluíram (1) utilização da avaliação do ventrículo esquerdo (VE) e do ventrículo direito (VD) pelo strain longitudinal, (2) pacientes com AOS e com ≥ 18 anos de idade, (3) análise do strain antes e após a terapia com CPAP e (4) pelo menos um evento adverso de interesse.
Os desfechos primário e secundário foram obtidos através de parâmetros ecocardiográficos, incluindo strain global longitudinal (SGL) do VE, strain global longitudinal do VD, fração de ejeção do VE (FEVE), TAPSE, E/e´, tamanho de ambos os átrios e outros parâmetros relacionados ao remodelamento cardíaco e performance ventricular.
Um total de 63 artigos foram analisados, totalizando uma cohort com 385 pacientes.

O uso de CPAP se associou com uma melhora significativa no SGL do VE comparando com a avaliação de base (MD -1.92; 95%IC: -2.63 até -1.21; P < 0.01; I² = 39%), bem como do strain global do VD (MD -1.88; 95%IC: -2.77 até -0.99; P < 0.01; I² = 0%), indicando uma melhora significativa pós-tratamento da função ventricular (SGL VE com ↑ ~ 2.0% e SGL VD com ↑ ~ 1.9%) .

Não houve, contudo, diferenças observadas nos parâmetros ecocardiográficos convencionais entre os valores basais e após a terapia com CPAP:
- FEVE: MD 0.77; 95%IC: – 0.65 até 2.18; P + 0.29; I² = 64%;
- E/e´: MD -0.95; 95%IC: -2.42 até 0.53; P=0.208; I²=82%;
- TAPSE: MD 0.07; 95% IC: -0.53 até 0.68; P=0.81; I²= 0%;
- Resistência vascular pulmonar: MD -0.59; 95%IC: -1.25 até 0.04; P=0.083; I²=74%.
Três estudos avaliaram a massa ventricular esquerda, não sendo observado alteração significativa após o início do tratamento.


Houve uma redução significativa do PSAP após a terapia com CPAP (MD -5.2275; 95%IC: -8.5376 até -1.9173; P = 0.002; I² = 64%).
Foi observado também um remodelamento reverso do AD através da redução do volume indexado (MD -3.96; 95%IC: -5.43 até -2.50; P < 0.001; I² = 0%). Por outro lado, o volume do AE não mostrou diferença significativa após o tratamento com CPAP (SMD -0.01; 95%IC: -0.35 até 0.32; P = 0.93; I² = 46%).

Este estudo fornece informações importantes sobre os efeitos da terapia com CPAP na função miocárdica e no remodelamento cardíaco em pacientes com (AOS). Os achados principais incluem:
- Melhora significativa do LV-GLS após a terapia com CPAP;
- Ausência de alterações nos marcadores ecocardiográficos convencionais, como FEVE e E/e’;
- Melhora do RV-GLS, sugerindo que a análise de deformação é mais sensível do que medidas convencionais da função do VD;
- Remodelamento favorável do átrio direito;
- TAPSE inalterado após o tratamento.
Estudos experimentais demonstram que a hipoxemia intermitente — um modelo experimental que mimetiza características patológicas da AOS — promove remodelamento cardiovascular significativo, incluindo hipertrofia ventricular esquerda, disfunção global do VE, hipertrofia de miócitos, aumento de apoptose e redução da expressão de PECAM-1 na aorta e no coração.
A hipoxemia intermitente também aumenta a atividade do sistema nervoso simpático e intensifica a suscetibilidade do coração ao estresse oxidativo. Importante destacar que a restauração da normóxia pode reverter a fibrose perivascular cardíaca e o remodelamento da matriz extracelular previamente induzidos — sugerindo reversibilidade nos danos cardíacos relacionados à AOS.
Em pacientes com AOS, maior ativação simpática, rigidez arterial e sobrecarga cardíaca contribuem significativamente para doença estrutural. Estudos clínicos indicam que o CPAP pode atenuar esses efeitos, melhorando parâmetros de remodelamento atrial e ventricular. Embora a ressonância magnética cardíaca seja o padrão-ouro para avaliação da estrutura miocárdica, seu alto custo e limitada disponibilidade reduzem sua aplicabilidade clínica. A ecocardiografia, portanto, permanece como uma ferramenta acessível e confiável.
Nesse contexto, o speckle-tracking (STE) se destaca como técnica avançada para avaliação da deformação miocárdica, permitindo detectar alterações sutis não captadas por métricas tradicionais como a fração de ejeção. Diretrizes atuais recomendam o uso de GLS como ferramenta sensível para detecção precoce de disfunção ventricular e para otimização da estratificação de risco.
Evidências anteriores já mostravam que a AOS está associada a redução do LV-GLS, especialmente nos casos graves. Os achados desta publicação confirmam que o CPAP melhora significativamente o LV-GLS, embora a FEVE permaneça inalterada. Assim, o LV-GLS se destaca como um marcador precoce e reprodutível de melhora induzida pelo CPAP, mesmo quando parâmetros convencionais não se alteram.
Como o strain é altamente dependente de carga, valores podem não refletir com precisão a função ventricular sob diferentes condições de pré e pós-carga. Nesse sentido, o índice de trabalho miocárdico surge como alternativa promissora, combinando pressão arterial e strain para estimar trabalho miocárdico. Embora estudos em AOS ainda sejam escassos, o índice mostrou-se sensível a mudanças induzidas pelo CPAP.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN) e em Cardiologia pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.