A Fisiologia da Diástole: compreendendo os padrões

No post de hoje, vamos tentar simplificar o entendimento das fases evolutivas da disfunção diastólica, buscando compreender os fenômenos que ocorrem desde o relaxamento normal do ventrículo esquerdo até o padrão de enchimento restritivo.

Utilizaremos a figura seguinte como referência:

Diástole normal

Após o fechamento valvar aórtico, inicia-se o relaxamento isovolumétrico do ventrículo esquerdo (VE), que ocorre quando a valva mitral ainda está fechada. Podemos medir sua duração (tempo de relaxamento isovolumétrico – TRIV) utilizando o Doppler contínuo posicionado na via de saída do ventrículo esquerdo, na janela apical de 4 câmaras, de modo a registrar, simultaneamente, o fluxo de ejeção aórtico e o influxo ventricular mitral, medindo o tempo desde o final do jato aórtico até o início da onda E mitral.

A pressão intraventricular esquerda cai abaixo da pressão do átrio esquerdo (AE) e a valva mitral (VM) se abre, dando início à fase de enchimento ventricular rápido, responsável por 75-80% do volume ventricular diastólico final. Este fluxo corresponde a onda E do fluxo mitral. Neste momento, o AE tem a função de condutor entre as veias pulmonares e o VE. É o momento em que observamos a curva D (diastólica) no registro de fluxo das veias pulmonares.

Como podemos imaginar, em indivíduos normais, o componente D do fluxo pulmonar deve ser maior que o componente S (sistólico), já que o maior gradiente de pressão, portanto, as maiores velocidades e o maior fluxo sanguíneo, ocorrem neste momento. É importante salientar que, à medida que envelhecemos e a cavidade ventricular vai ficando mais rígida e as propriedades de relaxamento vão diminuindo, o componente diastólico vai ficando proporcionalmente menor.

À medida que o VE se enche com o fluxo diastólico inicial, a pressão dentro da cavidade vai aumentando, provocando a desaceleração deste fluxo (desaceleração da onda E), até que as pressões entre as cavidades ventricular e atrial se igualem e não haja, virtualmente, mais fluxo entre elas. A média de tempo normal em que isto ocorre gira em torno de 160 a 200 milissegundos (tempo de desaceleração da onda E).

A seguir, após a despolarização atrial, inicia-se a contração atrial esquerda, responsável por 20-25% do volume ventricular final, descrevendo a onda A do fluxo mitral e a curva Ar (A reversa) das veias pulmonares, que é de curta duração e baixa velocidade, em condições normais.

– Observação: a curva S (sistólica) do fluxo das veias pulmonares, como visto em uma postagem anterior, corresponde ao fluxo das veias pulmonares para o AE, durante a sístole ventricular, que também é o mesmo período em que ocorre a diástole atrial.

O que acontece então quando se inicia o processo de disfunção diastólica?

Inicialmente, o relaxamento do VE se lentifica, aumentando o tempo necessário para que haja diferença suficiente entre as pressões do AE para o VE e aconteça a abertura da valva mitral. Conclusão: o tempo de relaxamento isovolumétrico aumenta, o fluxo E fica com velocidade reduzida e demora mais a se desacelerar (a curva E fica mais ampla, com ascensão e decréscimo lentificados _ observamos aumento do tempo de desaceleração); o fluxo D das veias pulmonares diminui.

A contração atrial, então, ocorre enquanto o VE ainda está relaxando. Estes componentes somados resultam em maior gradiente de pressão entre as cavidades neste momento, gerando fluxo A com maiores velocidades e maior contribuição para o volume diastólico final do VE. O componente Ar (A reverso) do fluxo pulmonar aumenta sua velocidade e duração pelos mesmos motivos.

Quando a disfunção diastólica progride, o átrio esquerdo já está mais sobrecarregado em termos de volume e pressão, perdendo parte de suas propriedades contráteis. Na diástole inicial, a pressão atrial esquerda já está mais elevada, encurtando o período de relaxamento isovolumétrico e aumentando novamente a velocidade de aceleração e desaceleração da onda E, mesmo com relaxamento alterado do ventrículo esquerdo.

O fluxo mitral se assemelha ao fluxo mitral normal, com onda E usualmente maior que a onda A (veremos que a relação E/A pode estar menor que 0,8, com onda E>50 cm/s e considerarmos disfunção tipo 2), pois quando a valva mitral se abre, a maior pressão dentro do AE empurra o sangue com maior velocidade para o VE. Neste período, o fluxo pulmonar volta a apresentar componente diastólico maior (já que o sangue flui com maior pressão/velocidade das veias pulmonares para o AE e o VE). O componente Ar também ganha maior expressão, aumentando sua velocidade e duração.

No padrão de enchimento ventricular restritivo, as pressões atriais esquerdas estão mais elevadas, reduzindo ainda mais o tempo necessário para a abertura valvar mitral, portanto, o TRIV. O sangue passa do AE para o VE com alta velocidade,  mas rapidamente tem seu fluxo interrompido, porque o VE perde sua capacidade de complacência e as pressões entre o VE e o AE se equalizam mais rapidamente (o TD da onda E fica mais curto).

Com a função contrátil do AE bastante comprometida e com a incapacidade do VE de receber mais volume na contração atrial, a velocidade da onda A do fluxo mitral se reduz. Neste momento, observamos uma grande curva de fluxo atrial reverso nas veias pulmonares, com velocidade e duração maiores, e o componente diastólico fica cada vez mais evidente, pois a complacência do átrio esquerdo também está bastante reduzida nesta fase, reduzindo o fluxo sanguíneo das veias pulmonares em direção ao AE na diástole atrial.

Agora que você entendeu um pouco mais do mecanismo de relaxamento ventricular e as correspondências nas curvas de fluxo mitral e pulmonar, vamos aguardar os próximos posts para comentar sobre as classificações da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo em exames habituais e em situações especiais. Até o próximo post!

Dúvidas e sugestões deixem nos comentários. Obrigada!

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Alfredo

Muito didático! Grato e parabéns Ana.

Izidoro Tavares

Excelente revisão.

Leonardo

adorei a explicação

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