Strain do Átrio Esquerdo na Insuficiência Aórtica: implicações prognósticas

Falamos recentemente aqui no blog sobre as aplicações do strain do ventrículo esquerdo na insuficiência aórtica (IAo) crônica. Agora trago um estudo sobre o impacto prognóstico do strain do átrio esquerdo (AE) em pacientes com IAo por valva aórtica (VAo) bicúspide.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

As consequências funcionais relacionadas a IAo crônica não afetam somente o ventrículo esquerdo (VE), mas também são responsáveis pelo remodelamento atrial com impacto funcional.

E qual seria, então, o significado de um strain do átrio esquerdo (AE) nesse contexto?

Estudo prospectivo com 809 pacientes portadores de VAo bicúspide e regurgitação aórtica avaliados entre fevereiro de 2018 e novembro de 2022 em um centro hospitalar na China.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

Os critérios de inclusão foram (1) idade > 18 anos e (2) IAo moderada a importante ou importante. Pacientes com (1) IAo importante secundária à dissecção aórtica, trauma ou endocardite infecciosa, (2) estenose aórtica, mitral ou tricúspide > moderada, (3) insuficiência aórtica, mitral ou tricúspide > moderada, (4) doença congênita cardíaca complexa ou doença carcinoide, e (5) imagem ecocardiográfica desfavorável foram excluídos.

Dilatação do AE foi considerada quando volume indexado > 34 ml/m² e a regurgitação valvar foi classificada como “sem”, “leve”, “moderada”, “moderada a importante” e “importante”. As graduações “moderada a importante” e “importante” foram denominadas como IAo “significativa”.

Em relação ao strain do AE, uma redução da função atrial esquerda foi definida como um strain de reservatório < 24%.

O desfecho primário foi um composto de mortalidade por todas as causas, insuficiência cardíaca (IC), hospitalização e reparo/troca valvar aórtica. Quando um mesmo paciente evoluísse com > 1 desfechos, o primeiro desfecho apresentado por ele foi o considerado para a análise estatística.

Ao final, foram avaliados 220 pacientes (idade média 49 anos), sendo 79.5% do sexo masculino.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

O strain de reservatório (LARs) do AE médio foi de 27.05% (22.4% – 30.84%), enquanto que o strain global longitudinal (SGL) médio foi de 18.20% (17.11% – 18.9%). Já a fração de ejeção (FE) do VE foi 62.6%.

Uma redução do LARs (<24%) foi observada em 74 pacientes (33.6%) e estes pacientes eram mais velhos e frequentemente apresentavam sintomas com classe funcional (NYHA) ≥ II.

Comparando com pacientes com LARs ≥ 24%, aqueles com redução do strain do AE tinham maiores dimensões do VE, volume indexado do AE aumentado, bem com diâmetros maiores de aorta ascendente e maiores relações E/A e E/e´, além de menores FE do VE e SGL.

Após um seguimento médio de 364 dias, 46 pacientes (20.9%) evoluíram com desfecho composto: 2 (0.9%) morreram, 23 (50%) foram submetidos a reparo/troca valvar aórtica, 4 (17.4%) realizam procedimento de raiz de aorta associado.

Esses pacientes estavam em CF ≥ II, tinham maiores índice de massa ventricular esquerda, maiores dimensões do VE e maiores volumes indexados do AE comparados com aqueles sem desfecho primário.

Ainda, aqueles que apresentaram desfecho primário tinham menores FE do VE, SGL e LARs.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

Pacientes com LARs < 24% apresentaram pior prognóstico, com maiores taxas de eventos comparados com aqueles com LARs ≥ 24% (39.2% x 11.6%, P < 0.001).

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Tanto o LARs (IC 95%, HR: 0.84: 0.81 – 0.88, P < 0.001) quanto o LARs < 24% (IC 95%, HR: 3.47: 1.89 – 6.36, P < 0.001) foram significativamente associados à presença de desfecho composto.

Idade (IC 95%, HR: 1.03: 1.01 – 10.6, P = 0.010), volume diastólico final indexado do VE (IC 95%, HR: 1.02: 1.01 – 1.03, P = 0,001), FEVE (IC 95%, HR: 0.93: 0.90 = 0.97, P < 0.001) e SGL do VE (IC 95%, HR: 0.78: .072 – 0.84, P < 0.001) também se associaram à presença de desfecho composto.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

Em razão da forte correlação das variáveis FEVE e SGL do ventrículo esquerdo (r = 0.74, P < 0.001), foram realizadas duas análises multivariada incluindo variáveis clínicas, redução do LARs e a presença de algum parâmetro de função sistólica do VE.

Classe funcional ≥ II (95% IC, HR 2.22: 1.02 – 4.84, P = 0.045), SGL (95% IC, HR: 0.87: 0.79 – 0.97, P = 0.009) e LARs (IC 95%, HR: 1.05 – 4.11, P = 0.036) se mantiveram relacionados à presença de desfecho composto, enquanto que idade e volume diastólico final indexado do VE não.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

O strain do AE fase de reservatório aumentou significativamente o goodness of fit do modelo preditor (P = 0.037).

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

Isso indica que a redução do LARs foi um parâmetro preditor incremental de desfecho composto mesmo após ajuste para outros parâmetros preditores clínicos.

J Am Heart Assoc. 2024;13:e032770. DOI: 10.1161/JAHA.123.032770

Os achados principais do estudo, segundo os autores, são:

  • Redução do LARs é um achado comum entre pacientes com IAo crônica por VAo bicúspide;
  • Pacientes com LARs reduzido (< 24%) apresentam maior risco de desfecho composto;
  • A redução do LARs se correlaciona com desfecho composto independentemente da presença de outras variáveis clínicas ou ecocardiográficas.

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