Na postagem anterior falei sobre as características dos congenital ventricular outpouchings e, dentre eles, do divertículo ventricular congênito. Para melhor ilustrar, vou trazer um caso publicado no periódico CASE (sempre ele!) de um divertículo do ventrículo esquerdo (VE) complicado com evento embólico.
Homem, 36 anos, admitido no pronto socorro com assimetria de face e disartria. À admissão, apresentava-se com pressão arterial (PA) de 220×90 mmHg, sem outros achados ao exame físico, inclusive com melhora do quadro neurológico durante a avaliação inicial. Contudo, durante observação, voltou a apresentar déficit neurológico focal.
Tinha histórico de hipertensão arterial sistêmica (lisonopril), dislipidemia (atorvastatina) e diabetes mellitus tipo 2 (metformina e glargina). Não havia histórico familiar de acidente vascular encefálico (AVE) ou doença cardiovascular. Nega tabagismo ou uso de drogas ilícitas.
Tomografia de crânio e angiotomografia da cabeça e pescoço não evidenciaram alterações. Eletrocardiograma demonstrava taquicardia sinusal e sobrecarga ventricular esquerda com padrão de strain. Nos exames laboratoriais, chamava atenção uma elevação inicial da troponina (1.12 ng/mL) com aumento após 4 horas (1.98 ng/mL), além de BNP também elevado.
Na ausência de contexto clínico e de alterações eletrocardiográficas sugestivas de isquemia miocárdica, essas alterações foram atribuídas à injuria miocárdica por aumento de demanda em razão do AVE recente e do aumento significativo da PA.
O paciente recebeu medidas de suporte, durante as quais, apresentou novo déficit neurológico, sendo então submetido a trombólise com alteplase (após o qual apresentou melhora do quadro neurológico).
No dia seguinte, foi realizada uma ressonância magnética cerebral cujo resultado foi compatível com infarto agudo e com distribuição sugestiva de origem cardioembólica.
Ecocardiograma transtorácico revelou um VE levemente aumentado, com aumento leve da espessura do septo interventricular, com hipocinesia difusa das paredes de grau moderado a importante e uma fração de ejeção, pelo método biplanar, de 30%. Com uso de agente de contraste, foi possível visualizar uma grande evaginação na parede lateral do VE com um colo bem delimitado.
Para melhor caracterizar essa estrutura, foi realizada uma ressonância magnética cardíaca que confirmou a presença desta evaginação (medindo 5.5 x 2.8 cm) na região médio apical da parede lateral com colo estreito (1.0 cm), com paredes finas e acinética, sem realce tardio.
Uma tomografia computadorizada, realizada para investigar causas secundárias de hipertensão arterial, também demonstrou a lesão, com mesmas características, e documentou falha de preenchimento de 1.3 no interior da evaginação sugerindo trombo.
Diante dos achados, a dúvida diagnóstico ficou entre aneurisma e pseudoaneurisma.
Dada a presença de complicação (AVE + presença de trombo) foi indicada abordagem cirúrgica para reparo da lesão.
O aspecto intraoperatório descartou a possibilidade de pseudoaneurisma. A cavidade aneurismática foi facilmente visualizada e media aproximadamente 6.5 x 4.5 x 2.5 cm. A face epicárdica aparentava apresentar tecido cardíaco normal e a face endocárdica não apresentava sinais de infarto. Baseado nesses achados, ficou também descartada a possibilidade de aneurisma e o diagnóstico intraoperatório foi de divertículo ventricular congênito.
Foi realizada a ressecção do divertículo e feito um reparo com patch de pericárdio bovino (face endocárdica) como também com patch de politetrafluoretileno na face epicárdica. No interior do divertículo foram encontrados múltiplos trombos, confirmando a etiologia cardioembólica do AVE. A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de divertículo ventricular congênito.
O paciente evoluiu sem intercorrências, recebendo alta hospitalar após 01 semana da cirurgia. Durante o seguimento, foi observado melhora (remodelamento reverso) da função ventricular esquerda (não se sabe se a melhora se deu pela ressecção do divertículo ou se o paciente apresentou um quadro reversível de miocardiopatia induzida por estresse).
Os divertículos ventriculares são extremamente raros e correspondem a aproximadamente 0.1% dos defeitos cardíacos congênitos. Habitualmente são considerados achados incidentais e possuem evolução benigna. Neste caso, contudo, a formação de trombo em seu interior serviu como fonte emboligênica para um AVE.
Além da complicação citada, chamava atenção a presença de uma parede acinética (no texto anterior foi descrito que habitualmente os divertículos do tipo muscular apresentam contratilidade preservada e sincrônica à do VE).
Além da presença de trombo, outras complicações possíveis são (1) ruptura do divertículo e (2) arritmias malignas. Apesar de não haver dados robustos em relação à conduta, quando na presença de complicações a abordagem cirúrgica está indicada.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.