Ícone do site Blog Ecope

Via de Saída do Ventrículo Direito em Formato de Cogumelo: marcador precoce de cardiomiopatia arritmogênica em jovens ?

A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é caracterizada por disfunção ventricular direita, arritmias ventriculares e risco elevado de morte súbita, sendo esta, em muitos casos, a primeira manifestação da doença.

De diagnóstico bastante desafiador, atualmente temos a 2010 Task Force Criteria revisada como marco definidor da doença. Contudo, os critérios utilizados são derivados predominantemente de achados em população adulta, sem a devida validação na faixa etária pediátrica.

Ainda, muitos dos achados descritos em adultos dificilmente são documentados em crianças, tornando o diagnóstico precoce desta condição ainda mais desafiador.

Haveria, portanto, algum achado precoce, ou seja, identificado ainda na infância, que pudesse direcionar para a possibilidade de desenvolvimento da cardiomiopatia arritmogênica do VD ao longo do tempo, possibilitando o direcionamento para um seguimento cardiológico/ecocardiográfico mais rigoroso desses pacientes ?

Uma publicação, no periódico CASE, traz uma série de 03 casos em que foi observado um padrão específico de alteração da via de saída do ventrículo direito em pacientes que, posteriormente, preencheram critério para o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do VD.

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

O achado de uma via de saída do VD em formato de cogumelo (mushroom-shaped) foi documentado em uma série de pacientes, numa fase ainda muito precoce, e que posteriormente foram diagnosticados com cardiomiopatia arritmogênica do VD, tanto por critérios ecocardiográficos/ressonância magnética, bem como por testes genéticos.

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Este achado, segundo os autores, pode servir como uma “pista” precoce, levando a uma busca mais ativa e seguimento rigoroso desses pacientes, sendo uma ferramenta importante, mesmo na ausência de sintomas ou histórico familiar.

CASO 01: paciente do sexo masculino, 14 anos de idade, realizou ecocardiograma de controle por diagnóstico prévio de pequena comunicação interventricular (CIV) muscular.

Chamava atenção um formato descrito como em “cogumelo” da via de saída do VD, observado na janela paraesternal eixo curto, sem haver, contudo, dilatação do VD ou qualquer outro achado que pudesse direcionar para a suspeita de cardiomiopatia arritmogênica.

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc1.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Como a CIV tinha fechado de forma espontânea e, durante o seguimento inicial, havia sido documentada uma melhora do strain longitudinal do VD, o paciente tinha recebido “alta” aos 02 anos de idade, sem a orientação de seguimento cardiológico desde então.

Contudo, aos 9 anos de idade, o paciente apresentou episódio de morte súbita abortada por fibrilação ventricular durante prática esportiva (basquete). Na ocasião, o ecocardiograma mostrou uma dilatação progressiva da via de saída do VD (figura B), com presença de hipertrabeculação na parede livre do ventrículo direito, dilatação significativa desta cavidade e redução do strain longitudinal (10.2%).

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc2.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024
https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc3.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

A ressonância magnética (RM) cardíaca confirmou o achado de dilatação ventricular direita, discinesia segmentar e disfunção significativa do VD, preenchendo critérios para o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica. Teste genético confirmou variante patogênica PKP2 e eletrocardiograma mostrava, à época, inversão de onda T difusamente.

O paciente, então, foi submetido a implante de cardiodesfibrilador para profilaxia secundária de morte súbita.

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

CASO 02: menino, 10 anos de idade, com alteração eletrocardiográfica e elevação de marcadores de necrose miocárdica após episódio de dor torácica. Paciente apresentou instabilidade hemodinâmica, seguida de taquicardia ventricular, cuja etiologia presumida foi miocardite aguda.

Ecococardiograma demonstrou disfunção biventricular significativa, sem alteração da contratilidade segmentar e via de saída do VD com formato em “cogumelo” (figura A).

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024
https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc4.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Após estabilização clínica, novo ecocardiograma evidenciou função ventricular esquerda preservada no momento da alta hospitalar. Novo exame realizado após 01 ano mostrou progressão da dilatação da via de saída do VD (figura B) e disfunção do ventrículo direito (strain longitudinal 18.5%), contudo ainda sem preencher critérios para cardiomiopatia arritmogênica.

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc5.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Durante o acompanhamento, a dilatação da via de saída e a disfunção ventricular direito pioraram progressivamente. Aos 15 anos de idade, novo ecocardiograma mostrou dilatação ainda maior da via de saída do VD e piora da disfunção ventricular direita (strain longitudinal 16.8%). RM cardíaca mostrou dilatação severa do VD, com disfunção ventricular de grau moderado. Teste genético não detectou mutações e biópsia do VD, apenas achados inespecíficos.

Até os 17 anos de idade, os achados mantiveram o mesmo padrão de apresentação, sendo, até então, considerados como sequelas de miocardite prévia.

A partir deste momento (17 anos), o paciente apresentou episódio de taquicardia ventricular instável e nova RM cardíaca passou a mostrar características sugestivas de cardiomiopatia arritmogênica.

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Agora com diagnóstico definido, foram observadas ondas Epsilons no eletrocardiograma. Ecocardiograma realizado aos 24 anos de idade mostrou padrão progressivo de dilatação do VD e piora da função sistólica, com strain longitudinal de 14.0%, associada a alteração segmentar (figura C).

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc6.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

Vale destacar que a dilatação da via de saída do VD, neste caso, foi observada 07 anos antes do diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do VD.

CASO 03: menino de 15 anos de idade, encaminhado para o serviço de cardiologia por quadro de miocardite viral aguda. Ecocardiograma demonstrou função biventricular levemente reduzida e via de saída do VD com aspecto em “cogumelo” (figura A).

Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024
https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc7.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024

RM cardíaca mostrou alteração segmentar (discinesia) do VD, sem presença de dilatação e padrão sugestivo de miocardite. Durante internação, o paciente apresentou melhora progressiva da função ventricular esquerda e recebeu alta com o diagnóstico de miocardite resolvida.

Contudo, após aproximadamente 01 ano, o paciente passou a apresentar episódios recorrentes de taquicardia ventricular. Teste genético foi positivo para mutação no gene PKP2.

Nova RM mostrou discinesia em VD, com disfunção sistólica associada e discreta dilatação cavitária. O padrão em cogumelo de via de saída estava mantido. Tais achados foram consistentes com o diagnóstico de cardiomiopatia arritmogênica do VD.

O paciente, então, recebeu um cardiodesfibrilador implantável aos 17 anos e o exames posteriores mostraram dilatação progressiva do VD (figura B), com perda de função sistólica.

https://blog.escolaecope.com.br/wp-content/uploads/2024/06/1-s2.0-S2468644124000811-mmc8.mp4
Numata et al, CASE: Cardiovascular Imaging Case Reports , May 2024
Sair da versão mobile