Como visto na postagem anterior, a valva mitral em arcada é uma malformação congênita rara, que envolve o aparato subvalvar mitral. Segue um relato de caso de como esta condição pode se apresentar.
Mulher, 55 anos de idade, avaliada por piora de dispneia, atualmente referida aos pequenos esforços. Ao exame físico, sopro sistólico (3/6+), pancardíaco.
Eletrocardiograma com ritmo sinusal, frequência cardíaca de 60 bpm, sobrecarga ventricular esquerda e do átrio esquerdo (AE).
A paciente tinha passado de diagnóstico de valva aórtica bivalvular, aos 19 anos de idade, associada a estenose subvalvar aórtica por membrana fibromuscular. Aos 39 anos, foi submetida a cirurgia de troca valvar aórtica (prótese mecânica de 19 mm) e ressecção da membrana subaórtica.
Ecocardiograma demonstrou cordoalhas tendíneas bastante encurtadas e espessadas, com músculos papilares hipertróficos e alongados, com praticamente ligação direta aos folhetos da valva mitral. Os folhetos valvares, por sua vez, apresentavam-se com espessamento leve e, no eixo curto no plano valvar, a abertura da valva mitral era preservada.
Não foram documentados fusão comissural ou calcificação, contudo foi observado a presença de duas bandas fibromusculares entre as extremidades dos dois músculos papilares, com uma conformação em arcada no eixo curto.
Estenose mitral moderada (gradiente médio 7 mmHg – FC 56 bpm) associada a regurgitação também moderada (vena contracta 0,6 cm) foram observadas, contudo a localização da alteração do fluxo era no aparato subvalvar.
Havia aumento do volume do átrio esquerdo (67 ml/m²), ventrículo direito (VD) com diâmetro preservado e PSAP estimada em 64 mmHg.
Ventrículo esquerdo (VE) com fração de ejeção preservada e hipertrofia concêntrica (septo 13 mm / PP 12 mm), sem membrana subvalvar aórtica recorrente. Porém, havia obstrução médio ventricular severa por presença de uma banda muscular conectando o ápex ao segmento basal do septo interventricular, com gradiente de 70 mmHg e com padrão de fluxo com pico sistólico tardio.
Haviam, também, gradientes elevados na prótese aórtica, com gradiente máximo de 94 mmHg e médio de 57 mmHg, com padrão de curva distinto.
Não havia coarctação de aorta.
Seguindo o algoritmo de avaliação de próteses cardíacas, os achados foram sugestivos de aceleração do fluxo em região subvalvar como causa do aumento dos gradientes da prótese. Achados esses confirmados pela fluoroscopia.
Tomografia computadorizada demonstrou mobilidade preservada dos elementos da prótese aórtica, sem evidência de pannus ou trombos, além de confirmar as alterações do aparato subvalvar mitral.
Considerando os sintomas e as repercussões hemodinâmicas tanto da malformação mitral e obstrução médio ventricular residual, foi indicada nova cirurgia. A paciente, porém, recusou o procedimento e iniciou tratamento clínico com furosemida 25mg/dia, bisoprolol 1.25 mg/dia e Valsartana. Após 01 mês do início do tratamento, houve melhora da classe funcional.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.