A leiomiomatose intravenosa consiste na proliferação benigna de células de músculo liso no plexo venoso uterino. É uma condição rara e que pode progredir invadindo o sistema de drenagem venosa pélvica e abdominal até atingir as cavidades direitas do coração e as artérias pulmonares.
Quando se estende para às câmaras cardíacas direitas denomina-se leiomiomatose intracardíaca cuja apresentação clínica dependerá do grau de acometimento cardíaco, sobretudo do aparato valvar tricuspídeo. A complicação mais severa costuma ser obstrução da via de saída do ventrículo direito.
Além disso, é condição de alto risco trombogênico, sendo a anticoagulação recomendada até 06 meses após a ressecção completa da lesão.
Acomete mulheres de meia idade, entre os 40-50 anos de idade, com maior incidência entre multíparas.
A ecocardiograma desempenha papel importante na avaliação destes pacientes ao caracterizar a presença de lesões intracardíacas, bem como determinar a função ventricular direita e acometimento valvar.
A ressonância magnética (RM) cardíaca, por sua vez, é capaz de determinar com maior acurácia a natureza da lesão, sobretudo na diferenciação entre tumor e trombo.
O tratamento normalmente consiste na ressecção do tumor e prevenção de sua recorrência, com realização de histerectomia total. Como leiomiomas são estimulados pelo estrógeno e progesterona, não se recomenda o uso de estrógeno exógeno nessas pacientes.
Vamos, então, de caso clínico ???
Mulher, 54 anos, com queixa de sangramento uterino anormal. A paciente havia entrado em menopausa aos 52 anos e iniciado terapia de reposição hormonal com progesterona oral e estrógeno implantável desde então.
Ultrassonografia transvaginal revelou massas anexiais complexas bilaterais e útero aumentado e com aspecto heterogêneo. Tomografia computadorizada (TC) de abdome e pelve mostrou endométrio de difícil definição, ausência de bordas uterinas bem delimitadas, levando à suspeita de alguma condição maligna.
Além disso, foi observada trombose venosa não oclusiva se estendendo do veia cava inferior suprarrenal até o átrio direito (AD), assim como uma embolia pulmonar interlobar à direita calcificada, indicando cronicidade (figura C).
A paciente foi encaminhada para unidade de pronto socorro, sendo iniciada terapia com heparina intravenosa até melhor elucidação do caso. Avaliada pela cirurgia vascular, não foi indicado nenhum procedimento em caráter de urgência dada a estabilidade clínica da paciente.
Biópsia endometrial guiada por TC foi realizada com resultado histopatológico consistente com leiomioma. Após 01 semana de internação, sem intercorrências, a paciente recebeu alta com apixabana para acompanhamento ambulatorial e definição da melhor estratégia terapêutica.
A RM pélvica mostrou útero aumentado com leiomiomas (figura A e B)e imagem sugestiva de trombose venosa não oclusiva desde a veia ilíaca comum, passando pela veia cava inferior até o átrio direito (figura C).
Mesmo se tratando de uma condição benigna, a equipe oncológica manteve a suspeita de malignidade e nova biópsia pélvica foi realizada, cujo resultado mais uma vez indicou leiomioma.
Dada a extensão da doença e preocupação com o risco de malignização, foi proposta uma histerectomia com salpingooforectomia bilateral eletiva, contudo negada pela paciente.
Ecocardiograma transtorácico mostrou fração de ejeção de 50-55%, além de regurgitação tricúspide, e presença uma massa pedunculada, alongada, oscilando entre o átrio direito e o ventrículo direito, com origem na veia cava inferior.
Pelo aspecto da lesão e sua mobilidade, concluiu-se tratar de uma condição de alto risco emboligênico, motivo pelo qual a paciente foi novamente encaminhada ao pronto socorro.
Após discussão com equipe de cardiologia, oncologia, ginecologia e cirurgia cardíaca, foi optado por realizar toracotomia e ressecção da lesão intracardíaca antes da realização da cirurgia ginecológica.
Ecocardiograma transesofágico intraoperatório mostrou massa no interior do átrio direito medindo 4,8 x 2,9 cm de diâmetro, com provável adesão à veia cava inferior distal e regurgitação tricúspide severa.
Durante a abordagem cirúrgica ficou documentado acometimento das cordoalhas tendíneas do aparato subvalvar tricúspide e flail do folheto septal por lesão traumática crônica pelo prolapso da lesão do AD.
Foi realizada plastia tricúspide e exérese de uma massa de 19 cm que se estendia pela veia cava inferior.
Durante o procedimento cirúrgico, a paciente evoluiu com bloqueio atrioventricular total com ritmo de escape juncional com frequência de 50 bpm.
A paciente ficou dependente de estimulação artificial no pós operatório, necessitando de implante de marcapasso definitivo.
No quinto dia de pós operatório a paciente recebeu alta em uso de AAS e apixabana. Análise histopatológica da massa intracardíaca foi consistente com leiomioma.
Graduado em medicina pela Universidade Potiguar (UnP). Possui residência em Clínica Médica, pelo Hospital Universitário Onofre Lopes – HUOL (UFRN), e em Cardiologia, pelo Procape – UPE. Porta o título de especialista em Cardiologia, pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). E é pós-graduado em Ecocardiografia, pela ECOPE.